Louvado seja Nosso Deus em cantos, risos e tambores.
No abraço da paz e do amor, faz o fogo acender a Lamparina que está dentro da gente.... ...E que nossa Fé seja o óleo e a chama da vida iluminada pelo
Cristo pobre e pelo Deus que está no meio do nosso povo.
Agradecemos pelos 30 anos da Pastoral da Juventude do Meio Popular em Alagoas.
Que nossa pastoral viva mais trinta anos de partilha e de luta por justiça social em
defesa da vida da juventude empobrecida.
Que cante, que grite e que lute pela chama da vida de um Deus verdadeiro.
Que essa Lamparina nunca se apague!
São Trinta Anos de seca e de sangue derramado, de Reza, de Luta, de Festa e Paixão.
De briga de braço, de choro, dança, risos e oração.
Do mangue à favela; do campo; do Cristo nordestino; do jovem excluído;
da negra mulher, mãe, e namorada.
É da turma do bar, da igreja, das praças e das calçadas.
Dos jovens que já se foram deixando saudades.
Das que vêm em nosso lugar em nome da Vida e da Fé.
Que os ventos do Espírito do Deus Libertador leve nossa oração a todos os cantos.
Nesses 30 Anos de Muita Reza, Muita Luta e Muita Festa no coração de quem ama a
Juventude do Meio Popular.
Amém, Axé, Auerê, Aleluia!
segunda-feira, 4 de junho de 2012
Em defesa da convocação imediata da 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena
Em defesa da convocação imediata da 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena
Paulo Daniel Moraes*
A crise generalizada que atinge a saúde indígena no Brasil e tem provocado reações de indignação por parte do movimento indígena em todo o país, teve recentemente seu mais novo capítulo protagonizado pelos responsáveis pela nova Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). O anúncio da contratação de uma única instituição para a realização de convênio com o Ministério da Saúde para atender os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI’s) existentes no país gerou sérias suspeitas sobre a capacidade da organização escolhida (Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) em gerir esta vultosa soma de recursos, bem como a enorme complexidade da assistência à saúde nas terras indígenas que se estendem do Chuí ao Oiapoque e ao Caburaí.
A última Conferência Nacional de Saúde Indígena realizada no ano de 2006 deixou tristes lembranças, e foi marcada pelas diversas manobras promovidas pela direção da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), destinadas à manipulação e desarticulação do movimento indígena, em todos os níveis. Entre elas, talvez a principal tenha sido a demora na liberação dos recursos para a realização das conferências, o que levou ao cancelamento das etapas locais em inúmeros distritos, e a realização de forma improvisada de muitas etapas distritais, sem a legitimidade necessária para a discussão e aprovação das propostas e a escolha de delegados com reconhecida representatividade para a etapa nacional, conforme denúncias encaminhadas ao Ministério Público Federal na época.
Na última reunião da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI), órgão que assessora o Conselho Nacional de Saúde no acompanhamento da política de atenção à saúde dos povos indígenas, os representantes da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), ao serem inquiridos pelos demais membros da comissão sobre a necessidade urgente de realizar a Quinta Conferência Nacional de Saúde Indígena no ano de 2012, informaram que isto não será possível no próximo ano por questões de programação e orçamento, mas somente no segundo semestre de 2013. A convocação imediata da conferência é fundamental para unir as forças políticas e promover os consensos indispensáveis para desentravar a complicada transição da gestão da saúde indígena que se arrasta há mais de dois anos.
Os problemas e dificuldades para promover a reestruturação da política pública de atenção à saúde indígena são realmente monumentais. O quadro de recursos humanos herdado da Funasa em grande parte não preenche os critérios adequados para o diálogo intercultural e o respeito à autonomia dos povos indígenas, perpetuando as práticas de ‘autoritarismo, burocratismo e tecnicismo’, o que tem provocado críticas e contestações do movimento indígena em todo o país. A necessidade de criar os mecanismos de excepcionalidade para a implementação das medidas administrativas urgentes que a assustadora piora dos indicadores de saúde exige não encontra eco nas outras instâncias do governo federal, como os níveis centrais dos Ministérios da Saúde e do Planejamento.
Não existe melhor providência para enfrentar esta situação do que a convocação imediata da Quinta Conferência Nacional de Saúde Indígena. Isto ficou comprovado de forma inequívoca pelos exemplos da segunda e terceira conferências, onde foram estabelecidos os marcos basilares da Política Nacional de Saúde Indígena, como a criação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, a autonomia administrativa e financeira dos distritos, a regularização profissional dos Agentes Indígenas de Saúde, e o reconhecimento da Medicina Tradicional Indígena. Todas estas propostas nasceram nas etapas locais e distritais, e enfrentaram enormes resistências dos órgãos responsáveis pela gestão da saúde indígena na época. Esperamos que a nova Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), criada também por iniciativa do movimento indígena em confronto direto com a FUNASA, não resolva seguir o mesmo caminho.
*Representante do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) na Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI).
Saúde indígena: sem pressão não há solução
Saúde indígena: sem pressão não há solução
Foi necessário ocupar prédios públicos e bloquear estradas para que o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, recebesse uma comissão de indígenas e assumisse algum compromisso para melhorar a assistência a esses povos. Os protestos aconteceram no dia 29/05 em Brasília, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e somente após essa demonstração da indignação o Ministro garantiu aos representantes dos povos Kaingang, Guarani Mbyá e Charrua que até amanhã, 31/05, apresentará um plano de ação com base nas principais reivindicações dos indígenas na presença da Vice-Procuradora da República, Deborah Duprat.
Pode parecer clichê daqueles bem ultrapassados, mas os órgãos governamentais só funcionam sob pressão. A revolta dos indígenas da região é inquestionável e nos remete a olhar para a situação de saúde que os povos do Amazonas estão vivendo.
Na região do Vale do Javari são mais de 300 indígenas mortos nos últimos anos em última análise mais por falta de assistênciado que pela falta de recursos. O Ministério Público em Tabatinga já não consegue reagir ás demandas. São tantas as reclamações e a falta de ação que os indígenas já não tem a quem recorrer. A realidade de abandono, de descaso e de ameaça de extinção está sendo levado ao conhecimento de organismos internacionais, como a Anistia Internacional, para que venha de fora o apoio de que os povos daquela região precisam para alimentar a esperança de que o Poder Público em algum momento vá adotar alguma providência plausível.
Os indígenas com freqüência denunciam a falta de instalações apropriadas nas aldeias, ausência ou insuficiência de profissionais e a precariedade de atendimento prestada pela Secretaria Especial de Saúde Indígena – Sesai. Esta, a propósito, tem realizado algumas ações, porém muito aquém das necessidades. No Vale do Javari as distâncias e as dificuldades de acesso tornam penoso o trabalho de assistência às comunidades. No entanto, só é penoso porque o Poder Público não atua de forma eficiente e eficaz, não cria as condições estruturais necessárias para dar agilidade ao atendimento.
Até agora os indígenas do Vale do Javari aguardam a presença do presidente da Sesai, Antônio Alves. Em março, quando esteve reunido com lideranças da região em Brasília, Alves prometeu ir ao Vale do Javari para dar alguma solução às reclamações dos indígenas. E não foi a primeira vez que ele prometeu e não cumpriu.
Nas regiões do Purus e Juruá, os Deni se vêem às voltas com a tuberculose. Nos anos 80 esse povo sofreu com muitos casos de tuberculose e no início dos anos 90 foi afetado por surtos de malária e outras doenças que levaram a morte cerca de 20% do povo.
Ao contrário das aldeias na região Sul, onde o acesso em grande parte se faz por estradas, na Amazônia e, mais particularmente, no Amazonas, os caminhos são rios, igarapés, furos – sem contar que em determinadas localidades o acesso só se torna possível por via aérea.
Então, se as lideranças indígenas do Sul só conseguiram sensibilizar o Ministro da Saúde com veemente protesto, se não bastaram os incontáveis documentos e processos, se não tiveram força as denúncias ao Ministério Público, a dica para que os povos do Amazonas - especialmente do Vale do Javari -, sejam ouvidos e atendidos vem de um cacique Sateré Mawé para quem o governo tem de ser tratado como feijão duro: “é preciso botar pressão”. A dica serve também para o Ministério Público em Tabatinga, de quem os indígenas esperam mais agilidade e resultados concretos.
"Brasil não deve investir em energia nuclear".
Sábado, 02 de junho de 2012
"Brasil não deve investir em energia nuclear". Entrevista especial com Dom Jayme Chemello
“Seria oportuno que o Papa Bento XVI pudesse enviar um representante para a Ucrânia, para participar da celebração em memória dos mortos de Chernobyl”, declara bispo emérito de Pelotas.
Confira a entrevista.
Mais de duas décadas depois do acidente nuclear de Chernobyl, ainda é impossível contabilizar os prejuízos dessa tragédia, que deixou mais de 250 mil mortos e feridos e que destruiu famílias e contaminou o meio ambiente de forma irreversível. Embora os efeitos da radiação em humanos tenham diminuído nos últimos anos, ainda é preciso ter cuidado ao visitar algumas cidades que foram amplamente contaminadas, diz o bispo emérito de Pelotas-RS, Dom Jayme Chemello, que recentemente esteve na Ucrânia a convite a ONG Green Cross Internacional, coordenada pelo ex-presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev. “Visitei Lokotkiv. Fomos de ônibus até onde foi possível, e depois tivemos de seguir a pé por uma estradinha, que devia ter uns quatro metros de largura. Caminhamos uns cinco quilômetros e não podíamos pisar fora de uma faixinha, porque naquele espaço a radiação era três vezes maior”, relata.
Depois de voltar da Ucrânia, Dom Jayme Chemello recebeu a equipe da IHU On-Line em sua residência, em Pelotas, RS, onde contou novos fatos, que aos poucos são revelados na tentativa de explicar o aconteceu em 1986. Segundo ele, na época “mais ou menos quinhentas mil pessoas” foram convocadas pelo governo para combater a expansão da radiação para outras regiões. “Dessas, cem mil eram recrutas militares e quatrocentos mil eram civis”. "Relata-se que os encarregados dos voos, aqueles que voavam cima de 800 metros para lançar os sacos de areia e chumbo para baixo, chegavam ao hospital satisfeitos, mas quando iam comer, não tinham apetite e logo depois morriam", informa.
De acordo com ex-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, a Ucrânia inaugurou recentemente um novo sarcófago para armazenar o lixo radiativo, pois o anterior foi corroído pela radiação. “Eles enterram o lixo radiativo, mas não se sabe até quando aquele lixo vai poder ficar enterrado. Ninguém sabe o que fazer”. E recomenda: “O Brasil não deve investir em energia nuclear. Se existem alternativas energéticas, para que pensar em uma energia nuclear tão perigosa?”
Dom Jayme Chemello (foto abaixo) cursou Filosofia no Seminário Pontifício de Buenos Aires, e Teologia na Pontifícia Faculdade de Teologia, também em Buenos Aires. Foi ordenado Sacerdote em 1958 na Igreja Matriz de São Marcos. Em 1969, foi nomeado bispo-auxiliar de Pelotas pelo Papa Paulo VI. Ele também foi vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, em 1994, e presidente por dois mandatos, entre 1998 e 2002. De 2005 a 2011 foi presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia, no Projeto de Evangelização da Amazônia, da CNBB. Em breve publicaremos uma entrevista sobre a trajetória de Dom Jayme na Igreja do Brasil.
Confira a entrevista.
Mais de duas décadas depois do acidente nuclear de Chernobyl, ainda é impossível contabilizar os prejuízos dessa tragédia, que deixou mais de 250 mil mortos e feridos e que destruiu famílias e contaminou o meio ambiente de forma irreversível. Embora os efeitos da radiação em humanos tenham diminuído nos últimos anos, ainda é preciso ter cuidado ao visitar algumas cidades que foram amplamente contaminadas, diz o bispo emérito de Pelotas-RS, Dom Jayme Chemello, que recentemente esteve na Ucrânia a convite a ONG Green Cross Internacional, coordenada pelo ex-presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev. “Visitei Lokotkiv. Fomos de ônibus até onde foi possível, e depois tivemos de seguir a pé por uma estradinha, que devia ter uns quatro metros de largura. Caminhamos uns cinco quilômetros e não podíamos pisar fora de uma faixinha, porque naquele espaço a radiação era três vezes maior”, relata.
Depois de voltar da Ucrânia, Dom Jayme Chemello recebeu a equipe da IHU On-Line em sua residência, em Pelotas, RS, onde contou novos fatos, que aos poucos são revelados na tentativa de explicar o aconteceu em 1986. Segundo ele, na época “mais ou menos quinhentas mil pessoas” foram convocadas pelo governo para combater a expansão da radiação para outras regiões. “Dessas, cem mil eram recrutas militares e quatrocentos mil eram civis”. "Relata-se que os encarregados dos voos, aqueles que voavam cima de 800 metros para lançar os sacos de areia e chumbo para baixo, chegavam ao hospital satisfeitos, mas quando iam comer, não tinham apetite e logo depois morriam", informa.
De acordo com ex-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, a Ucrânia inaugurou recentemente um novo sarcófago para armazenar o lixo radiativo, pois o anterior foi corroído pela radiação. “Eles enterram o lixo radiativo, mas não se sabe até quando aquele lixo vai poder ficar enterrado. Ninguém sabe o que fazer”. E recomenda: “O Brasil não deve investir em energia nuclear. Se existem alternativas energéticas, para que pensar em uma energia nuclear tão perigosa?”
Dom Jayme Chemello (foto abaixo) cursou Filosofia no Seminário Pontifício de Buenos Aires, e Teologia na Pontifícia Faculdade de Teologia, também em Buenos Aires. Foi ordenado Sacerdote em 1958 na Igreja Matriz de São Marcos. Em 1969, foi nomeado bispo-auxiliar de Pelotas pelo Papa Paulo VI. Ele também foi vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, em 1994, e presidente por dois mandatos, entre 1998 e 2002. De 2005 a 2011 foi presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia, no Projeto de Evangelização da Amazônia, da CNBB. Em breve publicaremos uma entrevista sobre a trajetória de Dom Jayme na Igreja do Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor viajou recentemente para a Ucrânia, onde visitou cidades que foram atingidas pelo desastre de Chernobyl. Quem promoveu a viagem? Pode nos relatar como foi essa visita à Ucrânia?
Dom Jayme Chemello – Quem promoveu essa viagem foi a Green Cross, uma organização que se dedica ao meio ambiente e que analisa os impactos das usinas nucleares. O atual presidente daGreen Cross Internacional, Alexander Likhotal, era conselheiro deMikhail Gorbachev [1], quando este era presidente da União Soviética. Ele é um russo e esteve presente nessa comitiva.
Nós visitamos o museu de Chernobyl, onde retrataram tudo o que aconteceu através de fotos de pessoas, fotos de como era a cidade antigamente e de como ela ficou após o desastre nuclear. Ele é enorme; possui vários andares e é muito bem construído.
No dia 26 de abril de 2012, o presidente da Ucrânia anunciou a instalação do novo sarcófago, o qual foi construído para substituir o antigo. Ele custou 1 bilhão e 500 mil euros, e a previsão é de que dure 100 anos. A estimativa era de que o sarcófago anterior, construído após o desastre, durasse 30 anos, mas ele não aguentou nem 25. As medidas do novo sarcófago são de 108 metros de altura, 162 metros de comprimento, e 257 metros de largura. A estrutura de metal pesa 23 mil toneladas.
Visitei algumas cidades próximas de Chernobyl e percebi que emKiev [2], que fica a mais ou menos 180 quilômetros de Chernobyl, quase não existem plantações por conta da radiação. Também fui aSlavutych [3], onde participamos de uma comemoração em função dos 25 anos de jubileu de prata de todos que morreram em Chernobyl.
IHU On-Line – Como foi essa cerimônia?
Dom Jayme Chemello – Foi uma cerimônia muito interessante e aconteceu na praça de Slavutych. Havia aproximadamente 50 mil pessoas. A cidade em si tem esse número de habitantes; essas 50 mil pessoas vieram não só de Slavutych, mas também de outras cidades vizinhas.
Jovens com lâmpadas formaram duas filas como se fosse um corredor. Caminhamos por entre elas e depositamos duas rosas em um altar. Havia um silêncio total, porque todos estavam doloridos por terem perdido o pai, a mãe, ou algum parente ou conhecido no acidente de Chernobyl. Rezei para que Deus entendesse a situação daquele povo.
IHU On-Line – A Igreja Ortodoxa participa dessa celebração ou não?
Dom Jayme – Padres passaram por lá; não houve uma cerimônia especial por parte dos ortodoxos, porque eles são muito ligados ao governo. As igrejas deles são bonitas, têm torres douradas, são pomposas, luxuosas. Uma coisa curiosa é que em lugares estratégicos há sempre uma pessoa sentada, que fica observando tudo que acontece para evitar que alguém roube ou quebre alguma coisa. Não pude ver a catedral católica que existe lá, mas visitei uma igreja ortodoxa. Os ortodoxos me disseram que perto da Polônia têm mais católicos.
IHU On-Line – Que novidades em relação a Chernobyl são conhecidas hoje, 26 anos depois do acidente? Que relatos o senhor ouviu na sua viagem à Ucrânia?
Dom Jayme Chemello – A explosão na usina nuclear de Chernobyl aconteceu em 25 de abril de 1986, na Ucrânia (mapa ao lado). No começo achavam que não era uma explosão, tanto que o presidente na época, Gorbachev, só foi informado do incêndio dois dias depois da explosão, às 5 horas da manhã. Eles tentaram combater o incêndio com água, mas isso piorou ainda mais a situação.
A fumaça oriunda da explosão subiu mil metros e as partículas radiativas foram levadas para outros paísespelo vento. Todas as pessoas que tiveram conhecimento do que foi o desastre de Chernobyl tinham medo de falar, tanto que levaram 20 anos para dizer tudo o que aconteceu e quais foram os impactos dessa explosão.
Próximo da usina de Chernobyl estava a cidade de Pripyat[4], que na época tinha uns 43 mil habitantes. A primeira coisa que precisava ser feita era retirar essas pessoas de lá, mas os próprios técnicos que estavam na cidade não sabiam que a situação era tão grave. Como as partículas radiativas começaram a chegar na Suécia, os moradores de lá ficaram intrigados com a fumaça e começaram a questionar a sua origem. Aviões começaram a fiscalizar a região e foram os americanos que descobriram que se tratava de Chernobyl, pois fiscalizaram tudo via satélite. O governo Russo já sabia o que tinha ocorrido, mas estava ocultando os fatos, porque não tinha como dizer para o povo sobre o que ocorrera. Seria terrível.
De toda forma, ninguém sabia que a situação era tão grave, porque, quando as partículas radiativas penetram no ser humano, ele não sente nada. Dez ou doze dias depois é que começam a aparecer os sintomas.
IHU On-Line – Como essas partículas afetam os seres humanos?
Dom Jayme Chemello – Elas decompõem o sangue e, em função disso, começam a surgir câncer, feridas, ossos quebrados etc. Os moradores de Pripyat pensavam que a radiação iria desaparecer, mas até hoje ela é uma cidade morta, uma cidade fantasma. Nos primeiros dias após a catástrofe, morreram cerca de 30 pessoas. Quando souberam da dimensão do problema, convocaram mais ou menos 500 mil pessoas para ajudar a conter a proliferação da radiação. Dessas, cem mil eram recrutas militares e quatrocentos mil eram civis. Essas pessoas largaram centenas de sacos de areia e uma quantidade enorme de chumbo para evitar que a radiação se espalhasse para outros locais, mas os destroços de Chernobyl continuavam lançando partículas radiativas para cima.
Foi aí que tiveram a ideia de construir um sarcófago, um túmulo especial feito de chumbo e aço, para abafar as partículas. A previsão era de que o sarcófago durasse trinta anos, mas após 20 anos ele já estava arrebentado por conta da radiação. Vinte anos depois divulgaram que mais de 250 mil pessoas morreram na tentativa de conter a expansão da radiação.
Relata-se que que os encarregados dos voos, aqueles que voavam cima de 800 metros para lançar os sacos de areia e chumbo para baixo, chegavam ao hospital satisfeitos, mas quando iam comer, não tinham apetite e logo depois morriam.
Depois desse desastre, aconteceram coisas positivas. Por exemplo, o próprio Gorbachev conseguiu que cada República, que pertencia à antiga União Soviética, fizesse uma obra na Ucrânia. De fato, visitei uma cidade chamadaSlavutych, que tem aproximadamente 50 mil habitantes, e hoje as pessoas vivem bem. Também visitei Pakul, uma cidadezinha que foi contaminada pela radiação e que hoje está completamente destruída.
IHU On-Line – A radiação se espalhou para quantas cidades e países?
Dom Jayme Chemello – A radiação se espalhou para a Suécia e para a Europa toda. Esse mapa mostra o nível de radiação, quanto mais vermelho, maior o nível de radiação (foto ao lado). Na Ucrânia, as cidades Slavutych e Lokotkiv foram bastante atingidas. Visitei Lokotkiv. Fomos de ônibus até onde foi possível, e depois tivemos de seguir a pé por uma estradinha, que devia ter uns quatro metros de largura. Caminhamos uns cinco quilômetros e não podíamos pisar fora de uma faixinha, porque naquele espaço a radiação era três vezes maior.
Encontramos três senhoras que nos explicaram o que foi o desastre de Chernobyl, e foi aí que eu comecei a descobrir o que era essa tal de radiação. Também encontrei um padre ortodoxo, até muito disposto, muito enfeitado – porque eles se enfeitam bastante. Tentei conversar com ele do jeito que dava, porque ele não sabia falar outro idioma. Também visitei um cemitério. É curioso que, sob cada túmulo, havia um prato de comida arrumado para o morto.
IHU On-Line – E por que será?
Dom Jayme Chemello – Não sei, talvez porque eles pensam que a vida é eterna. Fazem muita comida para mortos.
IHU On-Line – Muitas pessoas ainda moram em Lokotkiv?
Dom Jayme Chemello – Na região que visitei, só encontrei aquelas três senhoras. Os maridos e os filhos delas morreram. As pessoas visitam essa região, mas costumam ficar por pouco tempo.
IHU On-Line – E onde é Chernobyl? O que existe lá hoje?
Dom Jayme Chemello – Chernobyl fica no norte da Ucrânia (foto ao lado). Não podemos visitá-la. Lá só tem a cratera. Os reatores que explodiram acabaram com tudo. Por issoGorbachev não aceita a construção de novas usinas nucleares.
IHU On-Line – Qual a comparação que eles fazem com Fukushima?
Dom Jayme Chemello – Eles dizem que a experiência de Chernobyl é única, porque eles não sabiam nada sobre a questão radiativa. Depois de anos de investigação foram descobrindo que a radiação entrava pelo corpo e que causava muitos problemas à saúde, apesar de as pessoas não sentirem nada.
IHU On-Line – Como acontece a discussão sobre a energia nuclear na Ucrânia atualmente? Eles ainda dependem de energia nuclear. Pretendem continuar investindo nesse modelo?
Dom Jayme Chemello – Eles são contra a energia nuclear, e utilizam bastante petróleo. Da mesma forma, o Brasil não deve investir em energia nuclear. Se existem alternativas energéticas, para que pensar em uma energia nuclear tão perigosa?
IHU On-Line – Representantes de quais países participaram dessa visita a Chernobyl?
Dom Jayme Chemello – Representantes de muitos países. Fui o único brasileiro a participar. Lembro-me de pessoas da Itália, do Japão, da Rússia, além de alemães e norte-americanos. No Brasil, eles convidaram jornalistas, deputados e queriam um bispo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. Então o secretário e o presidente da CNBB disseram que teriam de escolher um bispo emérito, e me escolheram.
IHU On-Line – Quanto a Ucrânia e os países atingidos já gastaram com tratamentos ambientais e de saúde?
Dom Jayme Chemello – Soube que somente a construção do novo sarcófago custou 1 bilhão e meio de euros. Devem ter gasto uma fortuna durante esses 25 anos.
IHU On-Line – Que destino eles deram para o lixo radiativo, ou ainda não sabem o que fazer com ele?
Dom Jayme Chemello – Eles enterram o lixo radiativo, mas não se sabe até quando aquele lixo vai poder ficar enterrado. Ninguém sabe o que fazer. Como o custo do sarcófago que armazena o lixo é muito caro, a Ucrânia espera que outros países também colaborem no sentido de tentar encontrar alguma alternativa.
IHU On-Line – Percebe-se o comunismo na Ucrânia?
Dom Jayme Chemello – O Estado manda em tudo, embora seja democrático. Já tem uma democracia. Porém, até onde é ele democrático é algo difícil de se saber. Posso dizer que nos trataram muito bem.
IHU On-Line – Qual a situação econômica e social da Ucrânia?
Dom Jayme Chemello – É mais ou menos como no Brasil. Em algumas cidades não existe uma multidão de habitantes como aqui. Eles têm umas casinhas muito pobres. De modo geral, eles estão relativamente melhor do que nós.
IHU On-Line – As pessoas ainda têm problemas de saúde por conta da radiação?
Dom Jayme Chemello – Sim. Visitei algumas creches em Slavutych, e a médica pediatra disse que atualmente não têm mais casos tão graves. Mas antes as consequências da radiação eram terríveis. Os impactos da radiação começaram a diminuir nos últimos anos.
Seria oportuno que o Papa Bento XVI pudesse enviar um representante para a Ucrânia, para participar da celebração em memória dos mortos de Chernobyl.
IHU On-Line – O senhor viajou recentemente para a Ucrânia, onde visitou cidades que foram atingidas pelo desastre de Chernobyl. Quem promoveu a viagem? Pode nos relatar como foi essa visita à Ucrânia?
Dom Jayme Chemello – Quem promoveu essa viagem foi a Green Cross, uma organização que se dedica ao meio ambiente e que analisa os impactos das usinas nucleares. O atual presidente daGreen Cross Internacional, Alexander Likhotal, era conselheiro deMikhail Gorbachev [1], quando este era presidente da União Soviética. Ele é um russo e esteve presente nessa comitiva.
Nós visitamos o museu de Chernobyl, onde retrataram tudo o que aconteceu através de fotos de pessoas, fotos de como era a cidade antigamente e de como ela ficou após o desastre nuclear. Ele é enorme; possui vários andares e é muito bem construído.
No dia 26 de abril de 2012, o presidente da Ucrânia anunciou a instalação do novo sarcófago, o qual foi construído para substituir o antigo. Ele custou 1 bilhão e 500 mil euros, e a previsão é de que dure 100 anos. A estimativa era de que o sarcófago anterior, construído após o desastre, durasse 30 anos, mas ele não aguentou nem 25. As medidas do novo sarcófago são de 108 metros de altura, 162 metros de comprimento, e 257 metros de largura. A estrutura de metal pesa 23 mil toneladas.
Visitei algumas cidades próximas de Chernobyl e percebi que emKiev [2], que fica a mais ou menos 180 quilômetros de Chernobyl, quase não existem plantações por conta da radiação. Também fui aSlavutych [3], onde participamos de uma comemoração em função dos 25 anos de jubileu de prata de todos que morreram em Chernobyl.
IHU On-Line – Como foi essa cerimônia?
Dom Jayme Chemello – Foi uma cerimônia muito interessante e aconteceu na praça de Slavutych. Havia aproximadamente 50 mil pessoas. A cidade em si tem esse número de habitantes; essas 50 mil pessoas vieram não só de Slavutych, mas também de outras cidades vizinhas.
Jovens com lâmpadas formaram duas filas como se fosse um corredor. Caminhamos por entre elas e depositamos duas rosas em um altar. Havia um silêncio total, porque todos estavam doloridos por terem perdido o pai, a mãe, ou algum parente ou conhecido no acidente de Chernobyl. Rezei para que Deus entendesse a situação daquele povo.
IHU On-Line – A Igreja Ortodoxa participa dessa celebração ou não?
Dom Jayme – Padres passaram por lá; não houve uma cerimônia especial por parte dos ortodoxos, porque eles são muito ligados ao governo. As igrejas deles são bonitas, têm torres douradas, são pomposas, luxuosas. Uma coisa curiosa é que em lugares estratégicos há sempre uma pessoa sentada, que fica observando tudo que acontece para evitar que alguém roube ou quebre alguma coisa. Não pude ver a catedral católica que existe lá, mas visitei uma igreja ortodoxa. Os ortodoxos me disseram que perto da Polônia têm mais católicos.
IHU On-Line – Que novidades em relação a Chernobyl são conhecidas hoje, 26 anos depois do acidente? Que relatos o senhor ouviu na sua viagem à Ucrânia?
Dom Jayme Chemello – A explosão na usina nuclear de Chernobyl aconteceu em 25 de abril de 1986, na Ucrânia (mapa ao lado). No começo achavam que não era uma explosão, tanto que o presidente na época, Gorbachev, só foi informado do incêndio dois dias depois da explosão, às 5 horas da manhã. Eles tentaram combater o incêndio com água, mas isso piorou ainda mais a situação.
A fumaça oriunda da explosão subiu mil metros e as partículas radiativas foram levadas para outros paísespelo vento. Todas as pessoas que tiveram conhecimento do que foi o desastre de Chernobyl tinham medo de falar, tanto que levaram 20 anos para dizer tudo o que aconteceu e quais foram os impactos dessa explosão.
Próximo da usina de Chernobyl estava a cidade de Pripyat[4], que na época tinha uns 43 mil habitantes. A primeira coisa que precisava ser feita era retirar essas pessoas de lá, mas os próprios técnicos que estavam na cidade não sabiam que a situação era tão grave. Como as partículas radiativas começaram a chegar na Suécia, os moradores de lá ficaram intrigados com a fumaça e começaram a questionar a sua origem. Aviões começaram a fiscalizar a região e foram os americanos que descobriram que se tratava de Chernobyl, pois fiscalizaram tudo via satélite. O governo Russo já sabia o que tinha ocorrido, mas estava ocultando os fatos, porque não tinha como dizer para o povo sobre o que ocorrera. Seria terrível.
De toda forma, ninguém sabia que a situação era tão grave, porque, quando as partículas radiativas penetram no ser humano, ele não sente nada. Dez ou doze dias depois é que começam a aparecer os sintomas.
IHU On-Line – Como essas partículas afetam os seres humanos?
Dom Jayme Chemello – Elas decompõem o sangue e, em função disso, começam a surgir câncer, feridas, ossos quebrados etc. Os moradores de Pripyat pensavam que a radiação iria desaparecer, mas até hoje ela é uma cidade morta, uma cidade fantasma. Nos primeiros dias após a catástrofe, morreram cerca de 30 pessoas. Quando souberam da dimensão do problema, convocaram mais ou menos 500 mil pessoas para ajudar a conter a proliferação da radiação. Dessas, cem mil eram recrutas militares e quatrocentos mil eram civis. Essas pessoas largaram centenas de sacos de areia e uma quantidade enorme de chumbo para evitar que a radiação se espalhasse para outros locais, mas os destroços de Chernobyl continuavam lançando partículas radiativas para cima.
Foi aí que tiveram a ideia de construir um sarcófago, um túmulo especial feito de chumbo e aço, para abafar as partículas. A previsão era de que o sarcófago durasse trinta anos, mas após 20 anos ele já estava arrebentado por conta da radiação. Vinte anos depois divulgaram que mais de 250 mil pessoas morreram na tentativa de conter a expansão da radiação.
Relata-se que que os encarregados dos voos, aqueles que voavam cima de 800 metros para lançar os sacos de areia e chumbo para baixo, chegavam ao hospital satisfeitos, mas quando iam comer, não tinham apetite e logo depois morriam.
Depois desse desastre, aconteceram coisas positivas. Por exemplo, o próprio Gorbachev conseguiu que cada República, que pertencia à antiga União Soviética, fizesse uma obra na Ucrânia. De fato, visitei uma cidade chamadaSlavutych, que tem aproximadamente 50 mil habitantes, e hoje as pessoas vivem bem. Também visitei Pakul, uma cidadezinha que foi contaminada pela radiação e que hoje está completamente destruída.
IHU On-Line – A radiação se espalhou para quantas cidades e países?
Dom Jayme Chemello – A radiação se espalhou para a Suécia e para a Europa toda. Esse mapa mostra o nível de radiação, quanto mais vermelho, maior o nível de radiação (foto ao lado). Na Ucrânia, as cidades Slavutych e Lokotkiv foram bastante atingidas. Visitei Lokotkiv. Fomos de ônibus até onde foi possível, e depois tivemos de seguir a pé por uma estradinha, que devia ter uns quatro metros de largura. Caminhamos uns cinco quilômetros e não podíamos pisar fora de uma faixinha, porque naquele espaço a radiação era três vezes maior.
Encontramos três senhoras que nos explicaram o que foi o desastre de Chernobyl, e foi aí que eu comecei a descobrir o que era essa tal de radiação. Também encontrei um padre ortodoxo, até muito disposto, muito enfeitado – porque eles se enfeitam bastante. Tentei conversar com ele do jeito que dava, porque ele não sabia falar outro idioma. Também visitei um cemitério. É curioso que, sob cada túmulo, havia um prato de comida arrumado para o morto.
IHU On-Line – E por que será?
Dom Jayme Chemello – Não sei, talvez porque eles pensam que a vida é eterna. Fazem muita comida para mortos.
IHU On-Line – Muitas pessoas ainda moram em Lokotkiv?
Dom Jayme Chemello – Na região que visitei, só encontrei aquelas três senhoras. Os maridos e os filhos delas morreram. As pessoas visitam essa região, mas costumam ficar por pouco tempo.
IHU On-Line – E onde é Chernobyl? O que existe lá hoje?
Dom Jayme Chemello – Chernobyl fica no norte da Ucrânia (foto ao lado). Não podemos visitá-la. Lá só tem a cratera. Os reatores que explodiram acabaram com tudo. Por issoGorbachev não aceita a construção de novas usinas nucleares.
IHU On-Line – Qual a comparação que eles fazem com Fukushima?
Dom Jayme Chemello – Eles dizem que a experiência de Chernobyl é única, porque eles não sabiam nada sobre a questão radiativa. Depois de anos de investigação foram descobrindo que a radiação entrava pelo corpo e que causava muitos problemas à saúde, apesar de as pessoas não sentirem nada.
IHU On-Line – Como acontece a discussão sobre a energia nuclear na Ucrânia atualmente? Eles ainda dependem de energia nuclear. Pretendem continuar investindo nesse modelo?
Dom Jayme Chemello – Eles são contra a energia nuclear, e utilizam bastante petróleo. Da mesma forma, o Brasil não deve investir em energia nuclear. Se existem alternativas energéticas, para que pensar em uma energia nuclear tão perigosa?
IHU On-Line – Representantes de quais países participaram dessa visita a Chernobyl?
Dom Jayme Chemello – Representantes de muitos países. Fui o único brasileiro a participar. Lembro-me de pessoas da Itália, do Japão, da Rússia, além de alemães e norte-americanos. No Brasil, eles convidaram jornalistas, deputados e queriam um bispo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. Então o secretário e o presidente da CNBB disseram que teriam de escolher um bispo emérito, e me escolheram.
IHU On-Line – Quanto a Ucrânia e os países atingidos já gastaram com tratamentos ambientais e de saúde?
Dom Jayme Chemello – Soube que somente a construção do novo sarcófago custou 1 bilhão e meio de euros. Devem ter gasto uma fortuna durante esses 25 anos.
IHU On-Line – Que destino eles deram para o lixo radiativo, ou ainda não sabem o que fazer com ele?
Dom Jayme Chemello – Eles enterram o lixo radiativo, mas não se sabe até quando aquele lixo vai poder ficar enterrado. Ninguém sabe o que fazer. Como o custo do sarcófago que armazena o lixo é muito caro, a Ucrânia espera que outros países também colaborem no sentido de tentar encontrar alguma alternativa.
IHU On-Line – Percebe-se o comunismo na Ucrânia?
Dom Jayme Chemello – O Estado manda em tudo, embora seja democrático. Já tem uma democracia. Porém, até onde é ele democrático é algo difícil de se saber. Posso dizer que nos trataram muito bem.
IHU On-Line – Qual a situação econômica e social da Ucrânia?
Dom Jayme Chemello – É mais ou menos como no Brasil. Em algumas cidades não existe uma multidão de habitantes como aqui. Eles têm umas casinhas muito pobres. De modo geral, eles estão relativamente melhor do que nós.
IHU On-Line – As pessoas ainda têm problemas de saúde por conta da radiação?
Dom Jayme Chemello – Sim. Visitei algumas creches em Slavutych, e a médica pediatra disse que atualmente não têm mais casos tão graves. Mas antes as consequências da radiação eram terríveis. Os impactos da radiação começaram a diminuir nos últimos anos.
Seria oportuno que o Papa Bento XVI pudesse enviar um representante para a Ucrânia, para participar da celebração em memória dos mortos de Chernobyl.
NOTAS:
[1] Mikhail Gorbachev (1931): foi secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética de 1985 a 1991. Com a morte de Konstantin Chernenko, Mikhail Gorbachev, com 54 anos de idade, foi eleito secretário geral do Partido Comunista, tornando-se líder da União Soviética. As suas tentativas de reforma conduziram ao final da Guerra Fria e, ainda que não tivesse esse objetivo, terminou com o poderio do Partido Comunista no país, levando até mesmo à dissolução da União Soviética. Criou a Fundação Gorbachev em 1992. Em 1993, fundou também a Cruz Verde Internacional. Foi um dos principais promotores da Carta da Terra, em 1994.
[2] Kiev: é a maior cidade e capital da Ucrânia, localizada na região centro-norte do país, às margens do rio Dniepre. É uma das maiores e mais antigas cidades da Europa. O censo de 2001 registrou 2.611.300 habitantes na cidade. Kiev possui governo e estatuto especial determinado por lei e está diretamente subordinada ao governo central da Ucrânia.
[3] Slavutych: é uma cidade localizada ao norte da Ucrânia, com 24.549 habitantes.
[4] Pripyat: é uma cidade-fantasma no norte da Ucrânia, perto da fronteira com a Bielorrússia. Próximo à cidade fica a central nuclear de Chernobyl, onde ocorreu o maior acidente nuclear da história, em abril de 1986.
A convivência com o semiárido. Um novo paradigma.
Segunda, 04 de junho de 2012http://www.ihu.unisinos.br
A convivência com o semiárido. Um novo paradigma. Entrevista especial com Haroldo Schistek
Segunda, 04 de junho de 2012
“Querendo combater a seca, nunca ganharemos. A convivência com o semiárido procura entender a natureza cada vez mais e organizar a vida e a produção conforme os parâmetros encontrados”, diz o agrônomo.
Confira a entrevista.
“Quando um ano de baixa precipitação assusta a sociedade e os governos, isso é um sinal de que até hoje o semiárido é uma região mal compreendida”. É com essa declaração que Haroldo Schistekcomenta as notícias de que o semiárido brasileiro enfrenta a maior seca dos últimos 50 anos. Idealizador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada - IRPAA, ele esclarece que “anos de mais baixa precipitação não devem assustar a ninguém, ao contrário, devem ser considerados como fator de produção”. Para ele, as dificuldades do semiárido brasileiro estão relacionadas à falta de investimento dos governos estaduais e federal, que não propõe alternativas eficazes para assegurar uma vida digna no sertão. “Uma catástrofe, isto sim, é a falta de preparo dos nossos governos. Tiveram três décadas, deste a última grande seca, para não, mais uma vez, serem apanhados de surpresa. Porém, precisam mais uma vez tomar medidas de emergência, gastar somas vultuosas para evitar maiores prejuízos econômicos e mortes da população”.
Diante das dificuldades enfrentadas pelos sertanejos que dispõem de pouca terra e não têm infraestrutura para enfrentar os períodos mais críticos, Schistek lamenta: “Sabemos que para o povo, agora é a hora de cuidar da vida, ter carro-pipa, achar preço bom para os animais, procurar emprego para alimentar a família. Ir atrás de subsídios do governo. Serão longos meses de sol quente, de poeira e de muitas caminhadas e viagens. Será uma luta, uma batalha, até alcançar a próxima chuva”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Schistek destaca que o semiárido está sendo invadido por “mineradoras” e “projetos que expulsam a população, destroem a caatinga, explorando os bens naturais, sem maiores benefícios para as populações locais, causando desertificação”. A preservação da Caatinga, enfatiza, é fundamental para garantir a regularidade da temperatura, das chuvas e a fertilidade do solo do semiárido. Citando a frase dita por morador da região, ele é enfático ao comentar o projeto de transposição do rio São Francisco: “Para resolver os problemas do semiárido, não precisamos apelar para o São Francisco. O São Pedro dispõe de água mais do que o suficiente para sermos uma região próspera”.
Na avaliação do agrônomo, a mudança no semiárido brasileiro também depende de uma educação contextualizada, que integre o semiárido e a Caatinga. “Ainda recentemente, encontramos um livro didático, no capítulo sobre os biomas brasileiros, que mostrava uma foto da Caatinga nos meses da estiagem, com a legenda inacreditável: ‘Caatinga morta’. Na verdade, os arbustos e árvores retratados somente estavam em hibernação, cheios de seiva e nutrientes, esperando apenas a primeira chuva para se vestirem novamente em abundantes roupas de folhas e flores”, explica.
Haroldo Schistek é teólogo pela Universidade de Salzburgo, Áustria, agrônomo pela Universidade de Agricultura em Viena e da Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco em Juazeiro, na Bahia. É idealizador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada - IRPAA, com sede em Juazeiro, fundado em 1990. Trabalha com assessoria relacionada a recursos hídricos, desenvolvimento rural, beneficiamento de frutas nativas, questões agrárias, entre outras áreas. É elaborador de apostilas, livros, relatórios. Além disso, acompanha e coordena programas junto de agricultores, dentro do conceito da Convivência com o Semi Árido. Atualmente integra a Coordenação Coletiva do IRPAA como coordenador administrativo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A imprensa tem informado que a atual seca do semiárido brasileiro é a maior dos últimos 50 anos. É possível fazer distinções entre a seca atual e a de outros momentos, mesmo considerando que este é um processo natural do semiárido brasileiro?
Haroldo Schistek – O termo “seca”, a meu ver, não cabe bem no contexto climático do semiárido. A palavra “seca” quer caracterizar uma situação climática excepcional, de baixa pluviosidade, numa região que normalmente apresenta chuvas regulares. Esta definição não se aplica ao semiárido brasileiro. Anos de mais baixa precipitação não devem assustar a ninguém, ao contrário, devem ser considerados como fator de produção. Quando um ano de baixa precipitação assusta a sociedade e os governos, isso é um sinal de que até hoje o semiárido é uma região mal compreendida. Para a natureza, os seus animais e plantas, um ano como este não é nenhuma catástrofe. Em milhares de anos souberam se adaptar e criar resistência. Uma catástrofe, isto sim, é a falta de preparo dos nossos governos. Tiveram três décadas, deste a última grande seca, para não, mais uma vez, serem apanhados de surpresa. Porém, precisam mais uma vez tomar medidas de emergência, gastar somas vultuosas para evitar maiores prejuízos econômicos e mortes da população.
IHU On-Line – Como as populações do semiárido brasileiro convivem com a seca e com as demais características do semiárido?
Haroldo Schistek – Na última grande seca de 1979 a 1983, fui convidado a acompanhar uma equipe de reportagem para retratar os acontecimentos no Sertão nordestino. Partimos de Recife, viajamos longitudinalmente pelo estado da Paraíba e atravessamos Pernambuco, em direção à Bahia. Foi assustador o que vimos. Levas de gente nas estradas, fogões de lenha nas casas, sem nenhuma brasa, armazéns da Cobal saqueados, e frentes de serviço fazendo estradas, que foram levadas pela primeira chuva. Mas quando atravessamos a ponte sobre o rio São Francisco e nos dirigimos para o Distrito de Massaroca, município de Juazeiro, parecia que tínhamos mergulhados em outro mundo. A feira abastecida de tudo que se precisa, farinha, feijão e rapadura, roupas e chocalhos. As árvores em torno eram ocupadas pelas cordas dos jegues e cavalos amarrados e o povo alegremente tomando sua pinga.
Um dos agricultores nos convidou para almoçar. Perguntamos: “Aqui choveu?”, porque por onde passamos só vimos fome e miséria. “Choveu nada”, foi a resposta, “só sobrou um pouco de mandioca na roça. Nem milho, nem feijão. Mas temos o criatório (cabras e ovelhas) e o pasto para eles é a Caatinga. Aqui é uma grande área de Fundo de Pasto. Aqui ninguém passa necessidade”, disse ele.
Momentos como esse fizeram descobrir e definir o novo paradigma da convivência com semiárido, jogando para o lixo da história o “combate à seca”.
E não foi muito diferente agora, com a seca atual: telefonei para a cooperativa de beneficiamento de frutas nativas, como umbu e maracujá do mato, a Coopercuc, que atende aos municípios de Canudos, Uauá e Curaçá, e o presidente me contou que conseguiram facilmente alcançar e até ultrapassar a meta visada, atendendo assim a todas as encomendas. Foram 190.000 toneladas de frutas nativas da Caatinga. E mais: nestas duas semanas passadas inauguraram três minifábricas para beneficiar frutas nativas, dentro das medidas do nosso programa de Recaatingamento. Foram eventos muito festivos, com churrasco de carne de bode, reunindo toda vizinhança do povoado interioriano. Os de fora se admiraram: onde está a seca de que tanto se fala? São comunidades tradicionais, que tiram seu sustento básico da criação de animais de médio porte e onde a Caatinga preservada é o fundamento.
Não podemos generalizar esta situação benigna. Pois a maioria dos agricultores, por circunstâncias históricas e políticas, são obrigados a sobreviver em cima de uma terra pequena e dependendo principalmente do plantio da roça.
IHU On-Line – A que atribui os impactos ambientais do semiárido brasileiro e a dificuldade de desenvolver a região? Há risco de desertificação no semiárido brasileiro?
Haroldo Schistek – Para entender mais sobre nossa região, o que ela oferece, onde ficam os limites e quais são as propostas para uma vida econômica estável, quero destacar alguns elementos.
Sobre o clima no Semiárido
A estiagem recente no semiárido brasileiro se enquadra no comportamento previsível do tipo climático, com suas chuvas irregulares, no tempo e no espaço geográfico. Quer dizer, nunca se sabe quando se terá outra chuva nem em que área ela cairá. Nem se sabe quando iniciará o período chu-voso, nem quando será a última chuva. E tem mais: a irregularidade é muito mais acentuada em certos anos. Não é novidade desde a grande seca dos anos 1980, que a cada 26 anos há uma estiagem forte.
São muitos os “ingredientes” que fazem chover ou que impedem a chuva no semiárido brasileiro: A Zona de Convergência Intertropical, el niño, la niña, frentes frias do sul, a temperatura da água da porção do Oceano Atlântico que se encontra entre o Nordeste do Brasil e África. Além das contribuições feitas pelos humanos, através de desmatamentos, plantios extensos de pastos e grãos inadequados, trazendo consequências, uma vez que, a terra despida da sua roupa de Caatinga aquece o ar demasiadamente e, por sua vez, empurra as nuvens em alturas inadequadas. Podemos dizer, que a cobertura intacta da Caatinga é o regulador da temperatura e da chuva, man-tendo a fertilidade das terras e amenizando as influências naturais sobre o clima.
O clima semiárido se instalou entre oito e dez mil anos atrás, e o comportamento das chuvas é mais do que documentado pelos viajantes e padres portugueses. A população nativa, porém, adaptou-se perfeitamente às chuvas irregulares, cobrindo toda área do semiárido com suas aldeias e caminhos migratórios.
Sobre a ocupação do Semiárido
A vida da população indígena integrada ao ambiente semiárido foi brutalmente interrompida pela invasão dos portugueses. Assim, o grande mal que se fez ao semiárido não vem de agora, ou do século passado. Vem desde a primeira invasão pelos portugueses e tem tudo a ver com a monocultura de cana-de-açúcar no litoral nordestino. O gado, indispensável para o manejo da cana-de-açúcar e para a alimentação da população humana, num certo momento, numa época em que não existia o arame farpado, não podia mais ficar próximo às plantações e foi, por decreto governamental, mandado para o interior. Já em 1640 se estabeleceu o primeiro curral para gado bovino no médio São Francisco, dando assim início a uma sequência até hoje mantida: uma política concebida fora da região, introduzindo algo não adaptado ao clima, servindo a interesses estranhos. Não demorou e se formaram dois imensos latifúndios que ocuparam toda a região desde o Maranhão até Minas Gerais: os morgados da Casa da Torree outro da Casa da Ponte. Para o povo, só existia lugar como vaqueiro, que mantinha sua rocinha para alimentar a família, mas ele nunca poderia ser dono daquele pedaço de chão. Essa é a origem da agricultura familiar na região.
Estamos numa fase de nova invasão do semiárido, que é mais devastadora que a dos portugueses. São os grandes projetos que expulsam a população, destroem a caatinga, explorando os bens naturais, sem maiores benefícios para as populações locais, causando desertificação. A exemplo das mineradoras, grandes projetos energético e de irrigação. Tais projetos ampliam a concentração de renda, o êxodo rural. Para os grandes fica o lucro, e para o povo ficam as “bolsas”. Prometem “emprego” para um povo que não necessita de emprego, pois já tem seu ganho de vida, como homem livre, na agricultura e criação de animais, mas necessita de segurança na terra, e terra, em tamanho adequado para as condições de semiaridez.
IHU On-Line – O que tem impedido o desenvolvimento social e econômico do semiárido? Pode-se dizer que é a má distribuição de água e não a seca?
Haroldo Schistek – O problema não é a má distribuição da água, mas da terra. Precisamos assim, mais uma vez, insistir num fato que muitos preferem não mencionar, por ser incômodo, por tocar em privilégios de uma minoria e de ser perigoso e, em muitos casos, até mortal. Trata-se da questão da terra, ou melhor, do tamanho dela. A Embrapa Semiárido afirma que nas áreas da grande Depressão Sertaneja, as mais secas do Semiárido, uma propriedade necessita de até 300 hectares de terra para ser sustentável, sendo a atividade principal a criação de caprinos e ovinos. Assim, a principal forma de preservar o nosso bioma, a Caatinga, é garantir às famílias um ta-manho de terra adequado às condições de semiaridez. Quanto menor a quantidade de chuva na região, mais terra se precisa.
Enquanto isso, qual é a realidade? Propriedades de dois, três, dez hectares, enquanto no outro lado da cerca uma única pessoa possui dois, três, dez mil hectares. É preciso elaborar uma proposta de reforma agrária apropriada às condições socioambientais do semiárido. Em muitos casos as famílias possuem terra, são da terra, mas só precisam dela em tamanho suficiente para ter uma produção estável, podendo garantir reservas e assim suportar as instabilidades climáticas. Sendo assim, poderemos esquecer para sempre os programas famigerados como O Bolsa Família, carros-pipa, cestas de alimentos e, ultimamente, O “Bolsa Estiagem”.
Evidentemente, o tamanho da terra necessário para viver bem no semiárido varia de região para região, depende da chuva, da fertilidade do solo, da formação topográfica. Mas sempre é maior do que de fato as famílias possuem, ou o que o Incra disponibiliza nos seus assentamentos e é alcançável financeiramente pela cédula da terra.
IHU On-Line – Como avalia o desenvolvimento do semiárido nos últimos anos? Como os sertanejos convivem com os períodos de seca?
Haroldo Schistek – Um jeito que o povo encontrou de viver bem no semiárido é se organizando em comunidades de Fundo de Pasto, forma tradicional de posse de terra no semiárido, remota desde as Sesmarias, e atende a esta característica: preservação e viabilidade econômica. As áreas de pasto não são individualizadas, não possuem cercas para separar cada propriedade. Os animais de todos os proprietários pastam livremente em toda a área, deslocando-se sempre para aquelas manchas verdes onde choveu recentemente. Com isso eles evitam superpastoreio e garantem animais bem alimentados. Organizando dessa maneira a terra, de forma coletiva, a área necessária por família pode ser bem menor, mesmo na Depressão Sertaneja: entre 80 e 100 hectares. A área do Fundo de Pasto fica sob a responsabilidade de uma associação, dos próprios donos. Temos belos exemplos de como essa forma organizacional eleva a consciência ambiental e protege a Caatinga, como na região de Canudos, por exemplo.
IHU On-Line – E no que se refere à distribuição da água, como resolver essa questão?
Haroldo Schistek – Uma região semiárida precisa diversificar as fontes de água, conforme sua utilização final. Mas precisa estar atenta à formação geológica. É teimosia escavar reservatórios profundos em áreas de calcário ou arenito e querer poços com água em quantidade com subsolo cristalino, onde não há lençol freático. Mas as cinco linhas de luta pela água valem para o semiárido, observando as variações conforme a geologia. A realização das cinco linhas de luta pela água precisa ser acompanhada pela preocupação de conquistar o tamanho de terra adequada às condições de semiaridez.
São estas as linhas:
– Água de beber, deve vir de preferência da captação da água da chuva em cisternas, que é construída no pé da casa, dando um acesso confortável à água aos moradores.
– Água para a comunidade para uso doméstico, banho, lavar louça e roupas, e para os animais, fornecida por meio de tanques, barreiros trincheira, estreitos, mas profundos, cacimbas, poços.
– Água para a agricultura, suprida por meio de barragens subterrâneas, irrigação de salvação (cisterna ou barreiro), captação em estradas para irrigação de árvores frutíferas, aração em curva de nível, com sulcos para armazenar água de chuva in situ; uso de esterco e cobertura seca para re-ter a umidade do solo para as plantas; cultivo de variedades adaptadas às condições climáticas.
– Água de emergência para os anos de longa estiagem, fornecida por poços profundos e pequenas barragens estrategicamente distribuídas. Este ponto é uma solução transitória, enquanto os três pontos anteriores não foram completamente alcançados.
– Água para o meio ambiente: proteção de olhos d’ água e da mata ciliar, prevenção de poluição de aguadas, não desmatar a Caatinga, nem queimar as roças. Pois a Caatinga intacta e o solo gru-moso proporcionam uma boa infiltração da água chuva, evitando erosão. Além disso, o tratamento do esgoto, o reuso e a reciclagem da água para irrigação de capineiras e fruteiras, por exemplo.
Propostas
Essa visão deve ser a base para elaboração de Planos de Água Municipais, realizado em todos os municípios do Semiárido, elaborados pela sociedade civil e administração pública. É preciso construir propostas adequadas para abastecimento hídrico dos núcleos urbanos do Semiárido.
É importante, neste ponto, falar da transposição do rio São Francisco: é uma obra que visa beneficiar grandes empresas e empreendimentos, abastecer cidades litorâneas, mas não tem nada a ver com “matar a sede do nordestino” como a propaganda oficial martela. A divulgação dos supostos benefícios (que não fala da situação do rioSão Francisco) parece muito eficiente: recebemos um tempo atrás um e-mail de gente do Sul nos chamando de “fora da realidade”, pois como podemos ser contra uma obra que finamente vai resolver o problema da água para o nordestino. Melhor do que muitas palavras para explicar e responder, vou citar um lavrador de Pernambuco que falou mais ou menos assim: “Para resolver os problemas do semiárido, não precisamos apelar para o São Francisco. O São Pedro dispõe de água mais do que o suficiente para sermos uma região próspera”.
IHU On-Line – Que políticas públicas são necessárias para garantir o desenvolvimento do social, econômico e ambiental do semiárido?
Haroldo Schistek – O bioma Caatinga é a garantia para a vida do povo, é o patrimônio nativo do Brasil e é um bem que deve ser herdado de maneira intacta pelos filhos e netos. Onde a Caatinga não existe mais, os efeitos de estiagens são muito mais devastadores. Portanto, menciono oito preceitos da produção apropriada para o semiárido.
1. Perseguir a sustentabilidade para não ocorrer desertificação: criação de animais de maneira inadequada, animais impróprios para o semiárido, desnudação de grandes áreas e plantas que não suportam o clima, além da concentração fundiária, são as causas da desertificação.
2. Recaatingamento para repor a vegetação e riqueza da Caatinga perdida.
3. Tamanho da terra: os zoneamentos agroecológicos realizados pela Embrapa precisam, além de mostrar o uso correto da terra, conforme a configuração edafoclimático, indicar também a área mínima para que uma propriedade seja viável, mesmo em anos mais secos. Esses dados devem ser a base para titulação de terras e assentamentos do Incra.
4. Priorizar a produção animal de pequeno e médio porte, pois o semiárido é por excelência uma re-gião pecuária.
5. Para manter a riqueza da Caatinga e seu aproveitamento racional para a criação de animais e extrativismo, precisa-se do manejo correto, fazer reservas alimentares para os meses sem chuva e maiores do que para um ano, para não precisar comprar “farelos” na cidade. Isso deve ser o ponto de partida, para a Assistência Técnica e Extensão Rural.
6. Em regiões, microclimas/nichos climáticos, onde a agricultura pode ser indicada, é indispensável a escolha de plantas que consigam lidar com a grande irregularidade das chuvas. Porém, para que o agricultor tenha depoissucesso na venda dos seus produtos, espera-se mais flexibilidade dos ór-gãos estaduais na promoção de sua comercialização. Assim, o Seguro Safra pode ser algo do pas-sado ou então existirá somente para anos extremos.
7. O extrativismo e consequente beneficiamento e comercialização a exemplo do Umbu, do maracujá do mato e outros, tem mostrado o grande potencial financeiro e também em termos de preservação do bioma, quando a agricultura familiar assume a etapa da transformação dos produtos primários. A inclusão destes produtos nos programas locais de alimentação deve ser prioridade de todos os níveis governamentais. Não há como tolerar que uma prefeitura compre doce de goiaba, de péssima qualidade, de um fornecedor do Rio Grande do Sul, enquanto na porta são disponíveis produtos locais, orgânicos e reconhecidos pela qualidade.
8. Devido ao grande potencial da Caatinga e a pouquíssima expressividade de áreas irrigadas, somente em torno de 2% do semiárido são economicamente aptos para a irrigação, as universidades de agronomia e escolas técnicas do Semiárido devem concentrar esforços para um ensino agronômico dirigido para a região.
A educação contextualizada
O mais importante é a educação contextualizada. Não se pode pensar o semiárido brasileiro com seu bioma Caatinga de forma isolada, com propostas setoriais. A educação escolar tradicional tem contribuído muito para divulgar uma imagem de inviabilidade econômica, feiura e morte. Ainda re-centemente encontramos um livro didático, no capítulo sobre os biomas brasileiros, que mostrava uma foto da Caatinga nos meses da estiagem, com a legenda inacreditável: “Caatinga morta”. Na verdade, os arbustos e árvores retratados somente estavam em hibernação, cheios de seiva e nutrientes, esperando apenas a primeira chuva para se vestirem novamente em abundantes roupas de folhas e flores. Ou seja, precisamos de uma educação contextualizada, que leve o contexto da vida dos alunos, as plantas da Caatinga, a sua casa de adobe, para dentro da sala de aula. Tivemos experiências magníficas nesse sentido com os alunos, prestando atenção de maneira inacreditável, sendo as faltas às aulas quase não registradas. Materiais didáticos nesse sentido já existem. Precisamos que o Ministério da Educação e Cultura faça uma volta de 180 graus em termos de políticas educacionais, pois não é somente necessário que exista material didático apropriado: é indispensável que a formação de professores nas universidades seja, desde o início, no sentido da contextualização e que a formação continuada do corpo docente acompanhe a proposta. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nos dá respaldo total nesse sentido.
É importante ressaltar que a educação contextualizada tem princípios universais e deve ser traba-lhada em todas as realidades, não somente restrita aos ambientes rurais, mas deve alcançar também as escolas nas cidades, sedes dos municípios. Muitos dos alunos da área rural hoje em dia estudam nas cidades, por força da legislação das escolas nucleadas. Além disso, o bioma da Caatinga circunda todas estas aglomerações urbanas. Muitos dos alunos possuem raízes nele e precisam ter a oportunidade de receber as informações corretas. Outro aspecto importante e necessário é que a educação contextualizada seja pautada pelas universidades, e em todos os espaços educacionais.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Haroldo Schistek – Fica a pergunta: como vamo-nos prevenir contra a próxima grande estiagem?
Assistimos, mais uma vez, o desfile dos carros-pipa, o ressurgimento com toda força da indústria da seca, agora enriquecida com novos elementos perversos, e lamentamos, mais uma vez, décadas perdidas pelos governos, nas quais poderia ter dotado o semiárido com infraestruturas e políticas corajosas para que nunca mais se repetisse algo como a seca dos anos 1980.
Mas sabemos que, para o povo, agora é a hora de cuidar da vida, ter carro-pipa, achar preço bom para os animais, procurar emprego para alimentar a família. Ir atrás de subsídios do governo. Serão longos meses de sol quente, de poeira e de muitas caminhadas e viagens. Será uma luta, uma batalha, até alcançar a próxima chuva.
Mas como em toda batalha, existe sempre o pensamento sobre o que será depois, e o que podemos e devemos fazer para que nunca mais sejamos surpreendidos por uma situação com esta agora. Ou será que depois das primeiras chuvas encherem as cisternas e os campos se tingirem de verde, pensemos que nunca mais se repetirá uma estiagem como esta?
Com certeza se repetirá e pode ser pior, desde que o processo de desmatamento e a concentração da terra continuem. Provavelmente se junte até um novo ingrediente: pode ser que o aquecimento global acentue a irregularidade e aumente a evaporação da água.
Os conceitos acima ainda são incompletos, mas básicos e propõem uma meta a alcançar nestes próximos 26 anos. Eles se enquadram no paradigma da Convivência com o Semiárido. São propostas estruturantes, que garantem a autonomia dos agricultores familiares. Pois é, querendo combater a seca, nunca ganharemos. A convivência com o semiárido procura entender a natureza cada vez mais e organizar a vida e a produção conforme os parâmetros encontrados.
Confira a entrevista.
“Quando um ano de baixa precipitação assusta a sociedade e os governos, isso é um sinal de que até hoje o semiárido é uma região mal compreendida”. É com essa declaração que Haroldo Schistekcomenta as notícias de que o semiárido brasileiro enfrenta a maior seca dos últimos 50 anos. Idealizador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada - IRPAA, ele esclarece que “anos de mais baixa precipitação não devem assustar a ninguém, ao contrário, devem ser considerados como fator de produção”. Para ele, as dificuldades do semiárido brasileiro estão relacionadas à falta de investimento dos governos estaduais e federal, que não propõe alternativas eficazes para assegurar uma vida digna no sertão. “Uma catástrofe, isto sim, é a falta de preparo dos nossos governos. Tiveram três décadas, deste a última grande seca, para não, mais uma vez, serem apanhados de surpresa. Porém, precisam mais uma vez tomar medidas de emergência, gastar somas vultuosas para evitar maiores prejuízos econômicos e mortes da população”.
Diante das dificuldades enfrentadas pelos sertanejos que dispõem de pouca terra e não têm infraestrutura para enfrentar os períodos mais críticos, Schistek lamenta: “Sabemos que para o povo, agora é a hora de cuidar da vida, ter carro-pipa, achar preço bom para os animais, procurar emprego para alimentar a família. Ir atrás de subsídios do governo. Serão longos meses de sol quente, de poeira e de muitas caminhadas e viagens. Será uma luta, uma batalha, até alcançar a próxima chuva”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Schistek destaca que o semiárido está sendo invadido por “mineradoras” e “projetos que expulsam a população, destroem a caatinga, explorando os bens naturais, sem maiores benefícios para as populações locais, causando desertificação”. A preservação da Caatinga, enfatiza, é fundamental para garantir a regularidade da temperatura, das chuvas e a fertilidade do solo do semiárido. Citando a frase dita por morador da região, ele é enfático ao comentar o projeto de transposição do rio São Francisco: “Para resolver os problemas do semiárido, não precisamos apelar para o São Francisco. O São Pedro dispõe de água mais do que o suficiente para sermos uma região próspera”.
Na avaliação do agrônomo, a mudança no semiárido brasileiro também depende de uma educação contextualizada, que integre o semiárido e a Caatinga. “Ainda recentemente, encontramos um livro didático, no capítulo sobre os biomas brasileiros, que mostrava uma foto da Caatinga nos meses da estiagem, com a legenda inacreditável: ‘Caatinga morta’. Na verdade, os arbustos e árvores retratados somente estavam em hibernação, cheios de seiva e nutrientes, esperando apenas a primeira chuva para se vestirem novamente em abundantes roupas de folhas e flores”, explica.
Haroldo Schistek é teólogo pela Universidade de Salzburgo, Áustria, agrônomo pela Universidade de Agricultura em Viena e da Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco em Juazeiro, na Bahia. É idealizador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada - IRPAA, com sede em Juazeiro, fundado em 1990. Trabalha com assessoria relacionada a recursos hídricos, desenvolvimento rural, beneficiamento de frutas nativas, questões agrárias, entre outras áreas. É elaborador de apostilas, livros, relatórios. Além disso, acompanha e coordena programas junto de agricultores, dentro do conceito da Convivência com o Semi Árido. Atualmente integra a Coordenação Coletiva do IRPAA como coordenador administrativo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A imprensa tem informado que a atual seca do semiárido brasileiro é a maior dos últimos 50 anos. É possível fazer distinções entre a seca atual e a de outros momentos, mesmo considerando que este é um processo natural do semiárido brasileiro?
Haroldo Schistek – O termo “seca”, a meu ver, não cabe bem no contexto climático do semiárido. A palavra “seca” quer caracterizar uma situação climática excepcional, de baixa pluviosidade, numa região que normalmente apresenta chuvas regulares. Esta definição não se aplica ao semiárido brasileiro. Anos de mais baixa precipitação não devem assustar a ninguém, ao contrário, devem ser considerados como fator de produção. Quando um ano de baixa precipitação assusta a sociedade e os governos, isso é um sinal de que até hoje o semiárido é uma região mal compreendida. Para a natureza, os seus animais e plantas, um ano como este não é nenhuma catástrofe. Em milhares de anos souberam se adaptar e criar resistência. Uma catástrofe, isto sim, é a falta de preparo dos nossos governos. Tiveram três décadas, deste a última grande seca, para não, mais uma vez, serem apanhados de surpresa. Porém, precisam mais uma vez tomar medidas de emergência, gastar somas vultuosas para evitar maiores prejuízos econômicos e mortes da população.
IHU On-Line – Como as populações do semiárido brasileiro convivem com a seca e com as demais características do semiárido?
Haroldo Schistek – Na última grande seca de 1979 a 1983, fui convidado a acompanhar uma equipe de reportagem para retratar os acontecimentos no Sertão nordestino. Partimos de Recife, viajamos longitudinalmente pelo estado da Paraíba e atravessamos Pernambuco, em direção à Bahia. Foi assustador o que vimos. Levas de gente nas estradas, fogões de lenha nas casas, sem nenhuma brasa, armazéns da Cobal saqueados, e frentes de serviço fazendo estradas, que foram levadas pela primeira chuva. Mas quando atravessamos a ponte sobre o rio São Francisco e nos dirigimos para o Distrito de Massaroca, município de Juazeiro, parecia que tínhamos mergulhados em outro mundo. A feira abastecida de tudo que se precisa, farinha, feijão e rapadura, roupas e chocalhos. As árvores em torno eram ocupadas pelas cordas dos jegues e cavalos amarrados e o povo alegremente tomando sua pinga.
Um dos agricultores nos convidou para almoçar. Perguntamos: “Aqui choveu?”, porque por onde passamos só vimos fome e miséria. “Choveu nada”, foi a resposta, “só sobrou um pouco de mandioca na roça. Nem milho, nem feijão. Mas temos o criatório (cabras e ovelhas) e o pasto para eles é a Caatinga. Aqui é uma grande área de Fundo de Pasto. Aqui ninguém passa necessidade”, disse ele.
Momentos como esse fizeram descobrir e definir o novo paradigma da convivência com semiárido, jogando para o lixo da história o “combate à seca”.
E não foi muito diferente agora, com a seca atual: telefonei para a cooperativa de beneficiamento de frutas nativas, como umbu e maracujá do mato, a Coopercuc, que atende aos municípios de Canudos, Uauá e Curaçá, e o presidente me contou que conseguiram facilmente alcançar e até ultrapassar a meta visada, atendendo assim a todas as encomendas. Foram 190.000 toneladas de frutas nativas da Caatinga. E mais: nestas duas semanas passadas inauguraram três minifábricas para beneficiar frutas nativas, dentro das medidas do nosso programa de Recaatingamento. Foram eventos muito festivos, com churrasco de carne de bode, reunindo toda vizinhança do povoado interioriano. Os de fora se admiraram: onde está a seca de que tanto se fala? São comunidades tradicionais, que tiram seu sustento básico da criação de animais de médio porte e onde a Caatinga preservada é o fundamento.
Não podemos generalizar esta situação benigna. Pois a maioria dos agricultores, por circunstâncias históricas e políticas, são obrigados a sobreviver em cima de uma terra pequena e dependendo principalmente do plantio da roça.
IHU On-Line – A que atribui os impactos ambientais do semiárido brasileiro e a dificuldade de desenvolver a região? Há risco de desertificação no semiárido brasileiro?
Haroldo Schistek – Para entender mais sobre nossa região, o que ela oferece, onde ficam os limites e quais são as propostas para uma vida econômica estável, quero destacar alguns elementos.
Sobre o clima no Semiárido
A estiagem recente no semiárido brasileiro se enquadra no comportamento previsível do tipo climático, com suas chuvas irregulares, no tempo e no espaço geográfico. Quer dizer, nunca se sabe quando se terá outra chuva nem em que área ela cairá. Nem se sabe quando iniciará o período chu-voso, nem quando será a última chuva. E tem mais: a irregularidade é muito mais acentuada em certos anos. Não é novidade desde a grande seca dos anos 1980, que a cada 26 anos há uma estiagem forte.
São muitos os “ingredientes” que fazem chover ou que impedem a chuva no semiárido brasileiro: A Zona de Convergência Intertropical, el niño, la niña, frentes frias do sul, a temperatura da água da porção do Oceano Atlântico que se encontra entre o Nordeste do Brasil e África. Além das contribuições feitas pelos humanos, através de desmatamentos, plantios extensos de pastos e grãos inadequados, trazendo consequências, uma vez que, a terra despida da sua roupa de Caatinga aquece o ar demasiadamente e, por sua vez, empurra as nuvens em alturas inadequadas. Podemos dizer, que a cobertura intacta da Caatinga é o regulador da temperatura e da chuva, man-tendo a fertilidade das terras e amenizando as influências naturais sobre o clima.
O clima semiárido se instalou entre oito e dez mil anos atrás, e o comportamento das chuvas é mais do que documentado pelos viajantes e padres portugueses. A população nativa, porém, adaptou-se perfeitamente às chuvas irregulares, cobrindo toda área do semiárido com suas aldeias e caminhos migratórios.
Sobre a ocupação do Semiárido
A vida da população indígena integrada ao ambiente semiárido foi brutalmente interrompida pela invasão dos portugueses. Assim, o grande mal que se fez ao semiárido não vem de agora, ou do século passado. Vem desde a primeira invasão pelos portugueses e tem tudo a ver com a monocultura de cana-de-açúcar no litoral nordestino. O gado, indispensável para o manejo da cana-de-açúcar e para a alimentação da população humana, num certo momento, numa época em que não existia o arame farpado, não podia mais ficar próximo às plantações e foi, por decreto governamental, mandado para o interior. Já em 1640 se estabeleceu o primeiro curral para gado bovino no médio São Francisco, dando assim início a uma sequência até hoje mantida: uma política concebida fora da região, introduzindo algo não adaptado ao clima, servindo a interesses estranhos. Não demorou e se formaram dois imensos latifúndios que ocuparam toda a região desde o Maranhão até Minas Gerais: os morgados da Casa da Torree outro da Casa da Ponte. Para o povo, só existia lugar como vaqueiro, que mantinha sua rocinha para alimentar a família, mas ele nunca poderia ser dono daquele pedaço de chão. Essa é a origem da agricultura familiar na região.
Estamos numa fase de nova invasão do semiárido, que é mais devastadora que a dos portugueses. São os grandes projetos que expulsam a população, destroem a caatinga, explorando os bens naturais, sem maiores benefícios para as populações locais, causando desertificação. A exemplo das mineradoras, grandes projetos energético e de irrigação. Tais projetos ampliam a concentração de renda, o êxodo rural. Para os grandes fica o lucro, e para o povo ficam as “bolsas”. Prometem “emprego” para um povo que não necessita de emprego, pois já tem seu ganho de vida, como homem livre, na agricultura e criação de animais, mas necessita de segurança na terra, e terra, em tamanho adequado para as condições de semiaridez.
IHU On-Line – O que tem impedido o desenvolvimento social e econômico do semiárido? Pode-se dizer que é a má distribuição de água e não a seca?
Haroldo Schistek – O problema não é a má distribuição da água, mas da terra. Precisamos assim, mais uma vez, insistir num fato que muitos preferem não mencionar, por ser incômodo, por tocar em privilégios de uma minoria e de ser perigoso e, em muitos casos, até mortal. Trata-se da questão da terra, ou melhor, do tamanho dela. A Embrapa Semiárido afirma que nas áreas da grande Depressão Sertaneja, as mais secas do Semiárido, uma propriedade necessita de até 300 hectares de terra para ser sustentável, sendo a atividade principal a criação de caprinos e ovinos. Assim, a principal forma de preservar o nosso bioma, a Caatinga, é garantir às famílias um ta-manho de terra adequado às condições de semiaridez. Quanto menor a quantidade de chuva na região, mais terra se precisa.
Enquanto isso, qual é a realidade? Propriedades de dois, três, dez hectares, enquanto no outro lado da cerca uma única pessoa possui dois, três, dez mil hectares. É preciso elaborar uma proposta de reforma agrária apropriada às condições socioambientais do semiárido. Em muitos casos as famílias possuem terra, são da terra, mas só precisam dela em tamanho suficiente para ter uma produção estável, podendo garantir reservas e assim suportar as instabilidades climáticas. Sendo assim, poderemos esquecer para sempre os programas famigerados como O Bolsa Família, carros-pipa, cestas de alimentos e, ultimamente, O “Bolsa Estiagem”.
Evidentemente, o tamanho da terra necessário para viver bem no semiárido varia de região para região, depende da chuva, da fertilidade do solo, da formação topográfica. Mas sempre é maior do que de fato as famílias possuem, ou o que o Incra disponibiliza nos seus assentamentos e é alcançável financeiramente pela cédula da terra.
IHU On-Line – Como avalia o desenvolvimento do semiárido nos últimos anos? Como os sertanejos convivem com os períodos de seca?
Haroldo Schistek – Um jeito que o povo encontrou de viver bem no semiárido é se organizando em comunidades de Fundo de Pasto, forma tradicional de posse de terra no semiárido, remota desde as Sesmarias, e atende a esta característica: preservação e viabilidade econômica. As áreas de pasto não são individualizadas, não possuem cercas para separar cada propriedade. Os animais de todos os proprietários pastam livremente em toda a área, deslocando-se sempre para aquelas manchas verdes onde choveu recentemente. Com isso eles evitam superpastoreio e garantem animais bem alimentados. Organizando dessa maneira a terra, de forma coletiva, a área necessária por família pode ser bem menor, mesmo na Depressão Sertaneja: entre 80 e 100 hectares. A área do Fundo de Pasto fica sob a responsabilidade de uma associação, dos próprios donos. Temos belos exemplos de como essa forma organizacional eleva a consciência ambiental e protege a Caatinga, como na região de Canudos, por exemplo.
IHU On-Line – E no que se refere à distribuição da água, como resolver essa questão?
Haroldo Schistek – Uma região semiárida precisa diversificar as fontes de água, conforme sua utilização final. Mas precisa estar atenta à formação geológica. É teimosia escavar reservatórios profundos em áreas de calcário ou arenito e querer poços com água em quantidade com subsolo cristalino, onde não há lençol freático. Mas as cinco linhas de luta pela água valem para o semiárido, observando as variações conforme a geologia. A realização das cinco linhas de luta pela água precisa ser acompanhada pela preocupação de conquistar o tamanho de terra adequada às condições de semiaridez.
São estas as linhas:
– Água de beber, deve vir de preferência da captação da água da chuva em cisternas, que é construída no pé da casa, dando um acesso confortável à água aos moradores.
– Água para a comunidade para uso doméstico, banho, lavar louça e roupas, e para os animais, fornecida por meio de tanques, barreiros trincheira, estreitos, mas profundos, cacimbas, poços.
– Água para a agricultura, suprida por meio de barragens subterrâneas, irrigação de salvação (cisterna ou barreiro), captação em estradas para irrigação de árvores frutíferas, aração em curva de nível, com sulcos para armazenar água de chuva in situ; uso de esterco e cobertura seca para re-ter a umidade do solo para as plantas; cultivo de variedades adaptadas às condições climáticas.
– Água de emergência para os anos de longa estiagem, fornecida por poços profundos e pequenas barragens estrategicamente distribuídas. Este ponto é uma solução transitória, enquanto os três pontos anteriores não foram completamente alcançados.
– Água para o meio ambiente: proteção de olhos d’ água e da mata ciliar, prevenção de poluição de aguadas, não desmatar a Caatinga, nem queimar as roças. Pois a Caatinga intacta e o solo gru-moso proporcionam uma boa infiltração da água chuva, evitando erosão. Além disso, o tratamento do esgoto, o reuso e a reciclagem da água para irrigação de capineiras e fruteiras, por exemplo.
Propostas
Essa visão deve ser a base para elaboração de Planos de Água Municipais, realizado em todos os municípios do Semiárido, elaborados pela sociedade civil e administração pública. É preciso construir propostas adequadas para abastecimento hídrico dos núcleos urbanos do Semiárido.
É importante, neste ponto, falar da transposição do rio São Francisco: é uma obra que visa beneficiar grandes empresas e empreendimentos, abastecer cidades litorâneas, mas não tem nada a ver com “matar a sede do nordestino” como a propaganda oficial martela. A divulgação dos supostos benefícios (que não fala da situação do rioSão Francisco) parece muito eficiente: recebemos um tempo atrás um e-mail de gente do Sul nos chamando de “fora da realidade”, pois como podemos ser contra uma obra que finamente vai resolver o problema da água para o nordestino. Melhor do que muitas palavras para explicar e responder, vou citar um lavrador de Pernambuco que falou mais ou menos assim: “Para resolver os problemas do semiárido, não precisamos apelar para o São Francisco. O São Pedro dispõe de água mais do que o suficiente para sermos uma região próspera”.
IHU On-Line – Que políticas públicas são necessárias para garantir o desenvolvimento do social, econômico e ambiental do semiárido?
Haroldo Schistek – O bioma Caatinga é a garantia para a vida do povo, é o patrimônio nativo do Brasil e é um bem que deve ser herdado de maneira intacta pelos filhos e netos. Onde a Caatinga não existe mais, os efeitos de estiagens são muito mais devastadores. Portanto, menciono oito preceitos da produção apropriada para o semiárido.
1. Perseguir a sustentabilidade para não ocorrer desertificação: criação de animais de maneira inadequada, animais impróprios para o semiárido, desnudação de grandes áreas e plantas que não suportam o clima, além da concentração fundiária, são as causas da desertificação.
2. Recaatingamento para repor a vegetação e riqueza da Caatinga perdida.
3. Tamanho da terra: os zoneamentos agroecológicos realizados pela Embrapa precisam, além de mostrar o uso correto da terra, conforme a configuração edafoclimático, indicar também a área mínima para que uma propriedade seja viável, mesmo em anos mais secos. Esses dados devem ser a base para titulação de terras e assentamentos do Incra.
4. Priorizar a produção animal de pequeno e médio porte, pois o semiárido é por excelência uma re-gião pecuária.
5. Para manter a riqueza da Caatinga e seu aproveitamento racional para a criação de animais e extrativismo, precisa-se do manejo correto, fazer reservas alimentares para os meses sem chuva e maiores do que para um ano, para não precisar comprar “farelos” na cidade. Isso deve ser o ponto de partida, para a Assistência Técnica e Extensão Rural.
6. Em regiões, microclimas/nichos climáticos, onde a agricultura pode ser indicada, é indispensável a escolha de plantas que consigam lidar com a grande irregularidade das chuvas. Porém, para que o agricultor tenha depoissucesso na venda dos seus produtos, espera-se mais flexibilidade dos ór-gãos estaduais na promoção de sua comercialização. Assim, o Seguro Safra pode ser algo do pas-sado ou então existirá somente para anos extremos.
7. O extrativismo e consequente beneficiamento e comercialização a exemplo do Umbu, do maracujá do mato e outros, tem mostrado o grande potencial financeiro e também em termos de preservação do bioma, quando a agricultura familiar assume a etapa da transformação dos produtos primários. A inclusão destes produtos nos programas locais de alimentação deve ser prioridade de todos os níveis governamentais. Não há como tolerar que uma prefeitura compre doce de goiaba, de péssima qualidade, de um fornecedor do Rio Grande do Sul, enquanto na porta são disponíveis produtos locais, orgânicos e reconhecidos pela qualidade.
8. Devido ao grande potencial da Caatinga e a pouquíssima expressividade de áreas irrigadas, somente em torno de 2% do semiárido são economicamente aptos para a irrigação, as universidades de agronomia e escolas técnicas do Semiárido devem concentrar esforços para um ensino agronômico dirigido para a região.
A educação contextualizada
O mais importante é a educação contextualizada. Não se pode pensar o semiárido brasileiro com seu bioma Caatinga de forma isolada, com propostas setoriais. A educação escolar tradicional tem contribuído muito para divulgar uma imagem de inviabilidade econômica, feiura e morte. Ainda re-centemente encontramos um livro didático, no capítulo sobre os biomas brasileiros, que mostrava uma foto da Caatinga nos meses da estiagem, com a legenda inacreditável: “Caatinga morta”. Na verdade, os arbustos e árvores retratados somente estavam em hibernação, cheios de seiva e nutrientes, esperando apenas a primeira chuva para se vestirem novamente em abundantes roupas de folhas e flores. Ou seja, precisamos de uma educação contextualizada, que leve o contexto da vida dos alunos, as plantas da Caatinga, a sua casa de adobe, para dentro da sala de aula. Tivemos experiências magníficas nesse sentido com os alunos, prestando atenção de maneira inacreditável, sendo as faltas às aulas quase não registradas. Materiais didáticos nesse sentido já existem. Precisamos que o Ministério da Educação e Cultura faça uma volta de 180 graus em termos de políticas educacionais, pois não é somente necessário que exista material didático apropriado: é indispensável que a formação de professores nas universidades seja, desde o início, no sentido da contextualização e que a formação continuada do corpo docente acompanhe a proposta. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nos dá respaldo total nesse sentido.
É importante ressaltar que a educação contextualizada tem princípios universais e deve ser traba-lhada em todas as realidades, não somente restrita aos ambientes rurais, mas deve alcançar também as escolas nas cidades, sedes dos municípios. Muitos dos alunos da área rural hoje em dia estudam nas cidades, por força da legislação das escolas nucleadas. Além disso, o bioma da Caatinga circunda todas estas aglomerações urbanas. Muitos dos alunos possuem raízes nele e precisam ter a oportunidade de receber as informações corretas. Outro aspecto importante e necessário é que a educação contextualizada seja pautada pelas universidades, e em todos os espaços educacionais.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Haroldo Schistek – Fica a pergunta: como vamo-nos prevenir contra a próxima grande estiagem?
Assistimos, mais uma vez, o desfile dos carros-pipa, o ressurgimento com toda força da indústria da seca, agora enriquecida com novos elementos perversos, e lamentamos, mais uma vez, décadas perdidas pelos governos, nas quais poderia ter dotado o semiárido com infraestruturas e políticas corajosas para que nunca mais se repetisse algo como a seca dos anos 1980.
Mas sabemos que, para o povo, agora é a hora de cuidar da vida, ter carro-pipa, achar preço bom para os animais, procurar emprego para alimentar a família. Ir atrás de subsídios do governo. Serão longos meses de sol quente, de poeira e de muitas caminhadas e viagens. Será uma luta, uma batalha, até alcançar a próxima chuva.
Mas como em toda batalha, existe sempre o pensamento sobre o que será depois, e o que podemos e devemos fazer para que nunca mais sejamos surpreendidos por uma situação com esta agora. Ou será que depois das primeiras chuvas encherem as cisternas e os campos se tingirem de verde, pensemos que nunca mais se repetirá uma estiagem como esta?
Com certeza se repetirá e pode ser pior, desde que o processo de desmatamento e a concentração da terra continuem. Provavelmente se junte até um novo ingrediente: pode ser que o aquecimento global acentue a irregularidade e aumente a evaporação da água.
Os conceitos acima ainda são incompletos, mas básicos e propõem uma meta a alcançar nestes próximos 26 anos. Eles se enquadram no paradigma da Convivência com o Semiárido. São propostas estruturantes, que garantem a autonomia dos agricultores familiares. Pois é, querendo combater a seca, nunca ganharemos. A convivência com o semiárido procura entender a natureza cada vez mais e organizar a vida e a produção conforme os parâmetros encontrados.
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