Da redação do Brasil de Fato
As imagens de uma detenta algemada à cama de um hospital depois de
dar à luz trouxeram novamente à tona as violações de direitos das
mulheres encarceradas.
O caso ocorreu no município de Francisco
Morato, na região metropolitana de São Paulo (SP). Elisângela Pereira da
Silva foi presa na cama pelo braço e pela perna logo após o nascimento
de sua filha na Santa Casa da cidade.
Ela ainda relata agressões
físicas por parte de agentes penitenciários. Segundo os funcionários do
hospital, que gravaram as imagens, a paciente também foi impedida de
ver e amamentar a criança até dois dias depois do parto.
Elisângela está presa desde agosto do ano passado, acusada de furtar um enxoval de bebê, e aguarda julgamento.
Denúncias
semelhantes já partiram de outras presas, apesar de o Brasil ser
signatário de um acordo na ONU que determina a proibição de algemas e
outros métodos durante os procedimentos do parto.
A fim de
discutir essas e outras questões referentes à realidade das mulheres
presas, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) promoveu,
na quarta-feira (07), em São Paulo (SP), o debate “Mulheres
encarceradas: avanços e retrocessos”.
A mesa teve participação de Heidi Ann Cerneka (coordenadora
da Pastoral Carcerária Nacional para as questões femininas, Instituto
Terra Trabalho e Cidadania e Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres
Encarceradas) e Fernanda Emy Matsuda (advogada, coordenadora do núcleo
de pesquisas do IBCCRIM e mestre em sociologia e doutoranda pela USP).
O debate ocorre na semana do Dia Internacional de Luta das Mulheres, em 8 de março, e seu objetivo, segundo Heidi Ann Cerneka, será fazer um balanço das políticas voltadas para mulheres encarceradas.
A
coordenadora da Pastoral Carcerária destaca alguns avanços obtidos nos
últimos anos, como a lei 11.942/2009, que garante à presa o direito de
amamentar e conviver com a criança até seis anos, e o direito à visita
íntima em muitas unidades prisionais.
Heidi também destaca que,
por meio da Lei de Medidas Cautelares, algumas mulheres estão sendo
colocadas em liberdade provisória e, com isso, podem amamentar seus
filhos em casa.
A maior parte dos avanços, segundo Heidi, ocorre
devido à grande proporção de mães dentro do sistema penitenciário.
"Mais de 80% das presas são mães, e a maior preocupação delas, no geral,
é sobre seus filhos”, afirma.
Falhas
Se
por um lado há melhorias, por outro ainda há muitas deficiências no
sistema penitenciário em relação às mulheres encarceradas. Problemas
comuns às prisões – como superlotação, insalubridade, violência,
morosidade nos processos - também alcançam as mulheres. Entretanto,
Heidi lembra as mulheres possuem demandas específicas que estão longe de
ser contempladas. Um exemplo é a questão da saúde, que continua
precária.
“Hoje em dia faltam médicos em todas as unidades. E as
mulheres, pela faixa etária [a maioria tem entre 20 e 35 anos], têm
mais necessidade de atendimento por causa da saúde reprodutiva”,
explica.
Outro problema, de acordo com Heidi, é a concentração de
unidades prisionais femininas nas capitais. Com exceção de São Paulo,
que possui diversas unidades, há poucos locais próprios para mulheres, o
que faz com que a presa, muitas vezes, fique distante de sua família.
“Tem
estados que tem uma ou duas penitenciárias femininas, e elas acabam
ficando em cadeias mistas, com os homens. Geralmente elas preferem ficar
no lugar mais imundo do planeta, mas perto da família”, destaca.
E
são justamente as questões familiares que mais penalizam as mulheres.
Heidi lembra que, diferente de muitos homens, que possuem um lar para
onde retornar depois da prisão, as mulheres – a maioria mães solteiras -
costumam perder seus elos afetivos no período em que estão
encarceradas.
“Quando a mulher está presa, muitas vezes ela perde
a casa, os filhos são espalhados. Quando ela sai, tem que reconstruir
toda uma vida. E, se as crianças forem para um abrigo, ela não vai
conseguir buscá-las até mostrar ao juiz que tem uma casa e uma renda
para mantê-las”, explica.
Segundo dados de junho 2011 do
Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 35.596 mulheres estão
encarceradas no Brasil, o que representa 6,9% da população prisional,
que é de 513 mil detentos. O déficit de vagas femininas gira em torno de
15 mil, contra 193 mil masculinas.
Perfil
A
falta de assistência judiciária é outra deficiência enfrentada pelas
presas que, por via de regra, também são pobres. A maioria dessas
mulheres tem idade entre 20 e 35 anos, são negras ou pardas, possuem
baixa escolaridade e são chefes de família. Roubos e furtos ainda são
causas comuns de encarceramento, mas já não são as principais. A cada
ano, cresce o número de prisões por atos ilícitos associados ao tráfico
de drogas. Hoje, 64,7% das mulheres estão detidas por esse tipo de
crime, o que contribui para o crescimento da população prisional
feminina.
De acordo com o Depen, entre 2000 e
2010, o número de presos homens passou de 240 mil para 496 mil - um
aumento de 106%. Já o numero de mulheres presas, no mesmo período,
aumentou 261%, pulando de 10 mil para quase 36 mil.
Para a
advogada Fernanda Emy Matsuda, a conseqüência do inchaço das prisões
femininas é uma precarização ainda maior do atendimento jurídico.
Atualmente, as defensorias públicas estão encarregadas da defesa das
detentas, mas o número de defensores é insuficiente diante da demanda.
“Tem
um crescimento muito grande da população prisional feminina
especialmente por conta do tráfico de drogas, e esse aumento vem
agravando esse quadro de insuficiência de serviços”, afirma.
Outro
ponto problemático, para Fernanda, se refere ao sistema de progressão
de penas. Ela lembra que faltam vagas para mulheres no regime
semiaberto, o que faz com que muitas permaneçam no regime fechado. Além
disso, a advogada alerta para o grande número de prisões provisórias,
que contribuem para o inchaço das unidades prisionais.
“A prisão
provisória pode durar anos, e a pessoa no final ainda ser absolvida ou
condenada a uma pena diversa da privação da liberdade. Está havendo um
uso abusivo da prisão provisória”, avalia.
Nesse sentido, além de
corrigir as falhas já existentes do sistema penitenciário, Fernanda
aponta a necessidade de criar medidas que auxiliem as mulheres fora da
prisão, garantindo-lhes melhorias de vida.
“Essa
mulher que recorre ao crime é alguém que já está vulnerável. Não tem
como a gente falar que a situação dela depois da prisão vai melhorar.
Muito pelo contrário. A gente tem que pensar em políticas públicas de
uma forma mais ampla, para além da prisão”, defende.
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