A Rio+20 não trará resultados consistentes. O fracasso da conferência não virá da sua já tão falada falta de foco, mas da atual dinâmica internacional, marcada pelo fracasso da ONU em resolver grandes impasses.
A análise é de
Eduardo Viola,
professor de relações internacionais da UnB e especialista em política das mudanças climáticas.
A entrevista é de Andrea Vialli e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 22-05-2012.
Natural de Buenos Aires e radicado no Brasil desde 1976, Viola afirma também que a falta de consenso dos países quanto à própria definição de economia verde contribui para que as discussões da Rio+20 sejam inócuas.
Eis a entrevista.
Podemos esperar resultados práticos da Rio+20?
Devemos esperar pouco, pois essa é uma conferência que não tem peso. O cenário é de impasse, de bloqueio. Os países não estão dispostos a discutir desenvolvimento sustentável, por isso não será uma conferência relevante.
Mas o papel do Brasil, como anfitrião, não é tornar a conferência relevante?
O governo brasileiro não está se esforçando o suficiente, do ponto de vista da política internacional.
E as posições do Brasil são de extrema pobreza, eu diria. Uma verdadeira regressão em comparação às metas arrojadas de redução das emissões de carbono que o governo Lula apresentou em 2009, durante a conferência do clima de Copenhague.
Mas o fracasso da Rio+20 não se deve só ao governo brasileiro. Tem a ver com a estrutura
proposta pela ONU, de construção de consensos, que está totalmente obsoleta. A questão central é que o mundo está dividido. No sistema internacional atual existem três superpotências, Estados Unidos, União Europeia e China, e cinco grandes potências, Japão, Índia, Brasil, Rússia e Coreia do Sul.
As decisões importantes giram em torno da dinâmica entre Estados Unidos e China, que são forças poderosas na geopolítica global, mas têm posturas conservadoras em relação a avançar em uma economia de baixo carbono.
Do ponto de vista do mercado, desde 2008 a China tem feito investimentos pesados em energias renováveis, por exemplo, mas se opõe ferozmente a qualquer avanço na governança ambiental. Já os EUA são um país extremamente polarizado internamente, não avançam na adoção de posturas mais abertas à sustentabilidade.
As superpotências conservadoras, EUA e China, se escondem uma atrás da outra para justificar os limites de suas posições. É esse impasse que vai impossibilitar qualquer avanço na Rio+20.
E quais são os países que podem liderar a transição para a economia de baixo carbono?
Das oito potências, apenas uma, a União Europeia, tem uma posição avançada, enfatizando a
necessidade de criar uma organização mundial ambiental. A Coreia do Sul e o Japão têm posições próximas às da União Europeia, mas mais tímidas.
E o Brasil, como se posiciona nesse cenário?
O Brasil também não quer avançar na construção de uma governança ambiental global. Está no meio do caminho, junto com países como Canadá, África do Sul, Indonésia e Turquia. Mas continua muito atrelado ao Basic [grupo formado por três países de matriz energética altamente poluente, China, Índia e África do Sul] e ao G77, que inclui os países pobres, nas negociações internacionais. É uma posição contraditória, pois o Brasil poderia se posicionar como um líder na transição para a economia de baixo carbono.
O Brasil defende que sua matriz energética é muito mais limpa do que a média global.
Temos a matriz energética mais limpa das oito potências e um
programa de biocombustíveis que funciona desde a década de 1970. Além disso, houve momentos em que predominaram forças mais reformistas em termos de governança ambiental.
Mas no governo de Dilma Rousseff voltamos a um estágio muito conservador. Nossa política industrial é protecionista, pouco inovadora e sequer menciona a transição para a economia de baixo carbono. A própria Lei Nacional de Mudanças Climáticas, que foi o ponto alto das forças inovadoras, agora está parada, sem implementação.
Há 20 anos, às vésperas da Eco-92, também havia o sentimento de que a conferência da ONU não traria resultados.
A Eco-92 foi bem diferente. Na época, estavam emergindo problemas ambientais globais, havia a necessidade de uma retórica diferente sobre o mundo. Infelizmente, o que discutimos é um repeteco do que se falou há 20 anos.
Qual sua opinião sobre o conceito de economia verde, tema central da Rio+20? Não há consenso sobre ele.
Para funcionar, tem de ter uma métrica para água, uma para qualidade do ar, para biodiversidade etc. Por isso é mais interessante falar em economia de baixo carbono, porque já existem métricas.
A criação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que o Brasil apoia, seria um bom resultado da Rio+20, mas é preciso ter indicadores factíveis para medir o progresso. Se em vez de economia verde a Rio+20 discutisse planos de ação para a economia de baixo carbono, com métricas bem definidas, aí teríamos algum sucesso. Mas não é o que vai acontecer.
Terça, 22 de maio de 2012
Por uma nova governança global
"A
Rio+20 tende a ser um fracasso devido à situação atual do sistema internacional, mas o
Brasil poderia jogar no campo reformista e responsável, unindo-se às posições da
União Europeia na defesa de uma organização mundial ambiental e numa definição precisa de uma economia de baixo carbono", escrevem
Marina Silva, ambientalista e ex-ministra do Meio Ambiente, e
Eduardo Viola,
professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, em artigo publicado no sítio
Planeta Sustentável, 21-05-2012.
Eis o artigo.
A realização da
conferência Rio+20 oferece uma excelente oportunidade para discutir com consistência e profundidade A governança ambiental global e a
transição para uma nova economia que contribua para promover o
desenvolvimento sustentável em todas as suas dimensões — social, cultural, ambiental, econômica, política e ética. Apesar dos esforços da maioria dos governos para separar a decisiva questão da
mudança climática da agenda da conferência, ela está na base dos desafios da humanidade. A estabilidade do clima é um pressuposto da civilização humana desde a revolução neolítica. Os números gigantescos da população (7 bilhões), do PIB mundial (60 trilhões de dólares) e das emissões de
gases estufa (50 bilhões de toneladas de CO2 equivalente) ameaçam gravemente sete dos dez limiares planetários: os
ciclos do nitrogênio e do fósforo, a mudança climática, a erosão da biodiversidade, a
acidificação dos oceanos, as mudanças do uso do solo e a
escassez de água doce. Por isso é fundamental mostrar claramente a situação atual do sistema internacional e as dificuldades para levar adiante essa agenda.
No sistema internacional atual existem três superpotências (Estados Unidos, União Europeia e China) e cinco grandes potências (Japão, Índia, Brasil, Rússia eCoreia do Sul). Elas são as principais responsáveis pelos problemas ambientais e climáticos que enfrentamos porque são grandes emissoras de gases de efeito estufa e exploram recursos naturais em grande escala. Elas também têm a capacidade de encaminhar sua solução porque possuem capital humano e tecnológico para mudar o paradigma econômico, determinante na construção de uma governança global à altura dos desafios atuais.
As extremas dificuldades para avançar no momento se devem ao fato de que, das oito potências, apenas uma, a
União Europeia, tem uma posição consistente (mesmo que insuficiente), enfatizando a
necessidade de criar uma organização mundial ambiental. A
Coreia do Sul e o
Japão têm posições próximas às da
União Europeia, porém mais tímidas. No extremo oposto conservador, encontram-se a
Rússia e a
Índia, que, por diferentes razões, não se comprometem com a governança global e com a transição para o
baixo carbono.
Os Estados Unidos são um país extremamente dividido e polarizado, com um campo reformista liderado pelo presidente Barack Obama, favorável a posições mais responsáveis, e com outro campo conservador, constituído pelo Partido Republicano. Isso acaba produzindo efeitos deletérios tanto internamente quanto sobre o sistema internacional. As eleições gerais deste ano podem significar uma oportunidade de evolução, mas seria necessário priorizar uma nova política climática e energética.
A
China teve uma posição extremamente irresponsável até 2008, mas, desde então, vem avançando a passos largos em investimentos de baixo carbono e de maior responsabilidade nas negociações internacionais, apesar de
ainda ser insuficientes. As duas superpotências conservadoras (
Estados Unidos e
China) se escondem uma atrás da outra para justificar os limites de suas posições.
O
Brasil se encontra numa posição contraditória. Do lado positivo, tem a
matriz energética mais limpa das oito potências, reduziu emissões no período 2005-2009, tem o maior
programa de biocombustíveis do mundo e aprovou uma avançada lei de mudança climática em fins de 2009. Do lado negativo, o
Brasil continua atrelado ao
Basic (grupo formado por três países de matriz energética altamente intensiva em carbono — a
China, a
Índia e a
África do Sul — e um país — o
Brasil — de matriz energética de média intensidade de carbono) e ao
G77 nas negociações internacionais. Além disso, o
Brasil vem colocando excessiva quantidade de recursos na exploração do pré-sal, mas está muito atrasado no desenvolvimento da
energia solar fotovoltaica, de
biomassa e
eólica e na implementação da lei de mudanças climáticas. E mais, corre sério risco de retrocesso com a aprovação do
novo Código Florestal, que deverá interromper o ciclo de redução do desmatamento na Amazônia e nos demais biomas.
A CRIAÇÃO DA ONUMA
A proposta para a criação de uma
Organização das Nações Unidas para o Ambiente (Onuma) surgiu no contexto da publicação do
4o Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em fevereiro de 2007, apontando a dramaticidade da crise climática e a necessidade de adoção de medidas urgentes pelas nações. Ela é oportuna porque o pilar ambiental da governança internacional é hoje extremamente fragmentado e frágil em relação ao pilar econômico. O
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) tem uma missão muito limitada, o que deu origem à criação de múltiplas organizações associadas a convenções ambientais. Em geral, essas convenções dialogam pouco entre si, apesar da extrema interdependência entre os diferentes problemas ambientais. A
Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU não tem mandato adequado, e seus resultados são bastante questionados.
O
Pnuma enfrenta o problema da falta de financiamento. Ao contrário de outras organizações internacionais, não recebe contribuições obrigatórias, somente voluntárias, dos Estados membros da
ONU, o que limita sua capacidade de planejamento e autonomia. A
Declaração de Nairóbi sobre o papel e o mandato do
Pnuma diz que o programa deveria ser a autoridade para liderar a promoção da agenda ambiental global. Entre as principais funções, destacamos: a) supervisão, monitoramento, avaliação e elaboração de relatórios sobre o estado do meio ambiente; b) estabelecimento de uma agenda de ação, propondo e articulando normas, políticas e diretrizes; e c) desenvolvimento da capacidade institucional para enfrentar os problemas existentes e emergentes. Na questão do monitoramento, da avaliação e da elaboração de relatórios, o
Pnuma tem obtido resultados significativos, como é o caso da publicação do
Global Environmental Outlook. Mas eles têm sido modestos no que se refere à definição da agenda estratégica para enfrentar os problemas mais críticos. Também são tímidos os avanços na gestão de processos intergovernamentais para obter e colocar em prática acordos que lidem com a gravidade dos temas, como é o caso da crise climática.
Além disso, o Pnuma tem enfrentado dificuldades para integrar as diferentes microorganizações e instituições surgidas em torno das convenções, bem como para elevar seu status na governança internacional a um nível similar ao do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio.
Para isso, será crucial um forte aumento no orçamento, distribuído equitativamente segundo a população e a renda per capita dos países.
Defendemos que o Pnuma seja a semente para o surgimento da Onuma. Que ajude a criar progressivamente as condições para impulsionar transversalidade à temática ambiental no plano multilateral, promovendo diálogos e estruturando processos integrados com as demais agências multilaterais do sistema ONU, como é o caso daOMC.
Para tanto, é fundamental ampliar o status do tema ambiental no sistema ONU. Num mundo em que se agravam os conflitos socioambientais nos âmbitos nacional, regional e internacional, em que o aumento dos refugiados ambientais é uma realidade, é necessário que o arcabouço institucional conte com uma organização habilitada e com mandato para ajudar os governos a lidar com as complexas situações litigiosas, que se tornarão cada vez mais frequentes, inclusive na área comercial.
A proposta de criação da
Onuma enfrenta diversas resistências, especialmente dos atuais
maiores emissores de gases de efeito estufa, como é o caso dos
Brics e dos
Estados Unidos. Um dos fortes argumentos que fundamentam essa posição seria o temor de que o fortalecimento das
políticas ambientais globais crie dificuldades para o desenvolvimento econômico convencional e para os esforços de erradicação da pobreza. No entanto, entendemos que é justamente lidando em profundidade com o desafio de respeitar a capacidade de suporte dos ecossistemas do planeta que teremos condições de gerar desenvolvimento, inclusão social e qualidade de vida para todos e para as futuras gerações.
PERDA DE FOCO
A evolução dos trabalhos preparatórios da
Rio+20 mostra que a dimensão da sustentabilidade do desenvolvimento está sendo bastante diluída em uma agenda excessivamente abrangente, que resulta na perda de foco dos esforços de coordenação internacional na área da mudança climática e do meio ambiente. A
Rio+20deveria representar um momento fundamental para conferir conteúdo concreto ao pilar climático e ambiental do desenvolvimento sustentável. Além disso, essa dimensão não deveria ser esvaziada, como está acontecendo, no interior de uma agenda genérica, sem foco e com erros significativos no que se refere ao pilar social, que deveria ser definido como sociopolítico, para incluir a dimensão fundamental da governança em todos os níveis (global, nacional e subnacional). O
combate à pobreza e a
inclusão social devem se basear não somente na redução da desigualdade de renda, mas, principalmente, no acesso aos recursos naturais, dados o limite de disponibilidade e a crescente pressão sobre seu uso.
É fundamental o papel anfitrião do
Brasil nesse contexto internacional desfavorável. Somos um ator de primeira grandeza em tudo o que se refere à agenda climática e ambiental. Os ativos na área energética, hídrica, agrícola, florestal e de toda a biodiversidade tornam o
Brasil um participante crucial, mesmo que não tenha o poder das superpotências. Não podemos fugir à responsabilidade de contribuir para a construção de uma agenda avançada com objetivos ambiciosos. A
Rio+20 tende a ser um fracasso devido à situação atual do sistema internacional, mas o
Brasil poderia jogar no campo reformista e responsável, unindo-se às posições da
União Europeia na defesa de uma organização mundial ambiental e numa definição precisa de uma
economia de baixo carbono.
As estratégias e alianças do Brasil deveriam ser pautadas combinando-se os objetivos de defender os interesses do país com a realidade imposta pelas mudanças climáticas. Por suas vantagens, o Brasil é, entre os oito grandes, o que mais converge o interesse nacional com a necessidade imperativa de uma transição para uma nova economia. Todos os países — ricos e pobres — se beneficiarão da adoção de uma agenda sustentável comum e, sem dúvida, aqui vale o princípio de que quem pode mais deve contribuir mais.
Como resposta à crise econômica de 2008, diversos países adotaram, em seus pacotes de estímulo, um conjunto de medidas voltadas para o aumento dos princípios de sustentabilidade em suas economias para que sua recuperação não seja mais do tradicional crescimento pela alta emissão de carbono. Os pacotes de estímulos anunciados por Coreia do Sul, China e Alemanha foram os que continham o maior componente de crescimento de baixo carbono (80% o primeiro, 35% o segundo e 25% o terceiro), embora medidas de incentivo de conteúdo semelhante tenham sido adotadas numa escala menor na maioria dos países da Europa, nos Estados Unidos e no Japão.
Exceto no caso dos favorecimentos temporários a aparelhos da linha branca de maior economia de energia, o Brasil praticamente ignorou a dimensão climática em seus pacotes de estímulos adotados depois de 2008. As diferentes políticas para estimular a produção e o consumo de automóveis não incluem incentivos a uma eficiência energética e a descarbonização consequente — que, entre outras coisas, implicaria promover carros de etanol puro e não flex, já que estes têm sérios problemas de eficiência energética. A promoção do transporte coletivo ficou até agora no plano da retórica. Com um transporte de cargas feito fundamentalmente por caminhões, oBrasil tem um dos piores desempenhos em crescimento de emissões e ineficiência logística. As políticas econômicas e sociais precisam ser coerentes com a transição para uma nova economia, já que, com elas, a economia brasileira ganharia em competitividade internacional no longo prazo e elevaria extraordinariamente a qualidade de vida da população. Uma revolução no sistema educacional — nos conteúdos, nas metodologias de aprendizado, na qualificação dos professores e na relação entre escola e empresa/mercado de trabalho — torna-se um imperativo inescapável para essa transição.